Por Jeferson Miola, publicado em seu blog
Em artigo na Folha [12/11], o autor de O fim da história Francis Fukuyama avalia que a eleição de Donald Trump “está inaugurando uma nova era na política dos EUA e talvez no mundo como um todo. Os americanos votaram nele com pleno conhecimento de quem Trump era e o que ele representava”.
Fukuyama lembra que “quando Biden conquistou a Casa Branca [em 2020], parecia que as coisas tinham voltado ao normal após uma desastrosa Presidência de um mandato só” do tenebroso republicano.
A ilusão logo se desfez. O governo ruinoso de Trump não foi um ponto fora da curva. Na realidade, ponto fora da curva foi a vitória do democrata Joe Biden em 2020.
“Após a votação do dia 5 [de outubro passado], agora parece que a anomalia foi a Presidência de Biden”, escreveu Fukuyama.
Na mesma linha de raciocínio, no dia seguinte à eleição [6/11] a repórter Patrícia Campos Mello destacou que, “quando venceu em 2020, Joe Biden afirmou que Trump havia sido ‘um momento de aberração’ na história dos Estados Unidos. Cada vez mais, parece que o interlúdio foi Biden, e o futuro, pelo menos nos próximos anos, tem a cara de Donald Trump”.
A administração Biden teria significado, nesse sentido, apenas um breve interregno ao avanço fascista, muito distante de significar o aniquilamento do trumpismo e do extremismo. Da mesma maneira que a derrota do Bolsonaro em 2022 não significou o fim do fasci-bolsonarismo no Brasil.
Para Fukuyama, a vitória de Trump “representa uma rejeição decisiva dos eleitores americanos ao liberalismo e à maneira particular como a compreensão de uma ‘sociedade livre’ evoluiu desde os anos 1980”.
Ele próprio, um intelectual do establishment que nos anos 1990 proclamou o triunfo definitivo e inexorável do neoliberalismo sobre o socialismo e quaisquer alternativas anticapitalistas, hoje reconhece que fenômenos como Trump vicejam devido, justamente, à “ascensão do neoliberalismo ao longo do último meio século, uma doutrina que canonizou os mercados e reduziu a capacidade dos governos de proteger aqueles prejudicados por mudanças econômicas”.
“O mundo ficou muito mais rico ao todo, enquanto a classe trabalhadora perdeu empregos e oportunidades”, afirma.
Fukuyama também considera como causa da sedução do eleitorado pelo extremismo “a ascensão do identitarismo, ou do que se poderia chamar de liberalismo ‘woke’, em que a preocupação progressista com a classe trabalhadora foi substituída por proteções direcionadas para um conjunto mais restrito de grupos marginalizados: minorias raciais, imigrantes, minorias sexuais e afins”.
Ele opina que devido ao identitarismo, “a classe trabalhadora sentiu que os partidos políticos de esquerda não estavam mais defendendo seus interesses, e começou a votar em partidos de direita”, uma vez que “o poder do Estado [foi] cada vez mais usado para promover resultados sociais específicos para esses grupos”.
Independentemente da valoração que se faça sobre o impacto das pautas identitárias, é duvidoso atribuir a elas a razão determinante para o reflorescimento dos fascismos no mundo e para o deslocamento social e eleitoral das massas populares em direção à extrema-direita.
Neste seu estágio de ultra-financeirização, o capitalismo neoliberal padece de uma crise estrutural; é um sistema que se esgotou e que necessita aprofundar ainda mais a barbárie humana, climático-ambiental e civilizatória para alcançar níveis superiores de acumulação.
O fascismo não é uma força antissistema, e tampouco um movimento anticapitalista. É uma opção endógena do próprio sistema para a reconfiguração do capitalismo em crise profunda quando há o requerimento de formas autoritárias e violentas de gestão da barbárie neoliberal.
Enquanto governos de esquerda e progressistas frustram as expectativas sociais fazendo a gestão da crise neoliberal sem abalar os pilares desta crise –mantendo o Estado mínimo, os serviços públicos mercantilizados, a superexploração do trabalho com salários baixos, os direitos previdenciários, trabalhistas e sociais destruídos–, a extrema direita capta a frustração e o desalento social com uma mística salvacionista e antissistema.
O cenário para a eleição de 2026 no Brasil adicionou desafios mais complexos a partir do desenlace da eleição estadunidense. Assim como nos EUA, a extrema-direita brasileira segue pujante, em ofensiva político-ideológica e com capacidade de liderança sobre a direita partidária e todo espectro conservador e reacionário.
As oligarquias dominantes não hesitarão em se abraçar novamente ao fascismo, como se abraçaram a Bolsonaro em 2018, se vislumbrarem a possibilidade de derrotar Lula. Se conseguirem seu intento, assim como Biden nos EUA, Lula terá sido apenas um breve interregno ao avanço fascista no Brasil.
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