Um dia de lágrimas de alegria e gás em São Paulo (ou: Como Parar as Bombas)

Atualizado em 10 de dezembro de 2015 às 9:38

estudantes masp

Por Bruno Ondei, publicado no Obras do Acaso.

 

Eu ainda não tinha ido a nenhum dos atos organizados pelos estudantes que ocupam as escolas de São Paulo. Nesta quarta eu consegui ir. E, chegando em casa cansado e derrotado — provando que não sou mais um estudante secundarista há muitos anos — não posso ter nenhum sentimento a não ser a mais profunda admiração pelos estudantes e o mais profundo desprezo e asco de Alckmin e sua maneira de “dialogar”.

O que eu vi e passei nesta noite tem sido rotina para manifestantes e movimentos sociais contrários à desastrosa gestão tucana em São Paulo. Infelizmente. Porque, para Geraldo Alckmin, ou você está com sua PM ou é inimigo do estado ditatorial que ele comanda. Mas antes de falar do lixo, vamos falar do que foi lindo.

Foi com lágrimas nos olhos que eu vi os milhares de estudantes e simpatizantes (10 mil, 15 mil, imagino que algo p0r aí) deixarem o vão do Masp e ocupar a Avenida Paulista. Com gritos contra a tal “reorganização” do Alckmin e também pedindo o fim da PM (que virou assunto dos atos após a violenta repressão que tem praticado), os estudantes surpreendem pela pouca idade, pelo bom humor, pela coragem e pela energia.

Escoltados pela polícia enquanto estavámos na Paulista, descemos em direção ao centro ocupando a avenida 9 de Julho. Foi lá que a polícia desapareceu de cena, pelo na parte da frente do ato. Informações meio desencontradas diziam que estudantes haviam sido presos na parte de trás da manifestação. O ato parou, até que n0vas notícias davam conta de que os estudantes haviam sido liberados. Saímos em marcha mais uma vez.

Do alto dos prédios, já entrando no centro de São Paulo, as pessoas acenavam, balançavam bandeiras e jogavam papel picado em celebração e apoio ao ato. Até uma panela foi batida na janela, causando risos de alguns.

Sim, havia black blocks no ato. E alguns mais empolgados já carregando equipamento de defesa como pedaços de madeira. Mas como julgar, tendo em vista o tratamento que eles andam recebendo? O fato é que eu não vi nenhum ato de vandalismo ou confusão durante todo o caminho até a praça da República.

Ali era, segundo os organizadores, o destino final do ato desta quarta. Os estudantes esperavam chegar nas portas da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e finalizar a ação por lá. O que, no meu modo de entender, faria bastante sentido.

Mas não para a PM.

Ao chegar na República, o ato se dividiu. Algumas pessoas seguiram pela praça, atravessando por entre as barracas da feira que acontece por ali durante o dia. Mas a frente do ato resolveu dar a volta, aparentemente para evitar que tanta gente tivesse que passar por entre barracas frágeis.

A volta começou a ser dada e o ato parou. Os organizadores pediram para todos sentarem no chão, para começar o jogral, popular forma de comunicação entre manifestantes para amplificar a voz da liderança. Foi aí que começaram as bombas.

matéria do UOL diz que fogos de artifício teriam sido jogados contra os policiais. Eles que não tinham mais dado as caras desde o início da descida da 9 de Julho. Não posso afirmar nem negar isso. Mas, o que eu posso dizer é que o primeiro barulho de explosão que eu ouvi veio acompanhado de uma bomba de gás. Não me pareceu ter sido atirado um rojão antes, já que eu teria ouvido de onde estava. De qualquer forma, admito, posso estar errado.

O fato é que tendo sido atacada ou não, não é justificável a atitude da PM, que a partir daquele momento promoveu a tradicional barbárie que é marca registrada da gestão Alckmin.

Não vou entrar nos relatos de prisão de estudantes, agressões e uso de armas de fogo de forma ostensiva. Eu não estava lá a trabalho. Mas o Twitter do Jornalistas Livres tem tudo isso para você se divertir. Narro aqui meu ponto de vista.

Após as bombas explodirem na República, alguns manifestantes revidaram ateando fogo a montes de lixo e criando barreiras para atrapalhar a ação da PM. Enquanto isso, a liderança do ato reuniu a quantidade de pessoas que foi possível naquele momento para decidir o que fazer.

Sob gritos de “sem arrego”, decidiu-se subir a Consolação em direção à Paulista. Para alguns, era a continuação do ato. Para outros, apenas uma rota de fuga cabível para se chegar ao Metrô, por exemplo, já que os policiais isolaram o Centro.

Começamos a subir a Consolação sob forte tensão, claro. O próprio ato bloqueou a via de subida e a ocupou. A via que desce estava completamente travada e cheia de carros. No alto da avenida, uma solitária viatura da PM era alvo de atenção. E ocasionais arremessos de pedras que, por conta da distância, não chegaram nem perto de acertarem.

Quando estávamos já na altura do Cemitério da Consolação, mais duas viaturas se juntaram à primeira. Mas ainda a certa distância. Foi quando uma viatura apagada foi vista na rua Dona Antônia de Queirós. Estava claro que estávamos sendo cercados.

Numa tentativa de coibir o ataque da PM, pulamos o canteiro central e começamos a subir entre os carros. Era óbvio que os policiais não iriam jogar bombas no meio de tantos carros. Lembre-se que o trânsito estava parado e congestionado. Infelizmente, o que parece óbvio para qualquer pessoa de bom senso, não o é para a tropa alucinada de Alckmin.

Uma bomba de gás foi disparada em meio aos carros, sobre os estudantes.

Será que havia um bebê em um daqueles carros? Ou um idoso? Ou talvez um motorista poderia se assustar e tentar avançar, atropelando alguns estudantes no processo. Mas se você acha que os comandados por Alckmin estão preocupados com alguma dessas possibilidades, achou errado.

Descemos correndo mais uma vez a Consolação. Após mais ou menos um quarteirão, vimos que estávamos realmente cercados. Bombas eram arremessadas do alto da avenida, da parte de baixo e na rua Piauí. Ou seja, não havia para onde correr.

Gostaria de entender qual é a lógica desse tipo de ação? Esperar que as pessoas sufoquem até a morte? Desmaiem? Ou que elas simplesmente se desmaterializem? Pois, se o objetivo final é dispersá-las, precisa ser dado uma caminho para isso.

Com olhos ardendo e tossindo muito, crianças, jovens e adultos como eu arriscamos correr pela Piauí, passando por uma desgraçada cortina de gás que jorrava de uma bomba no meio da rua.

Nos embrenhamos pelo bairro, tentando achar uma via para enfim chegar à Paulista. Mas, nesse momento, o ato já virara a tradicional tragédia proporcionada por Alckmin. Aquele que foi, com sua cara hipócrita e falsa, propor diálogo na televisão na semana passada.

Esse foi um dia que de fato a ficha caiu na minha cabeça.

Vivemos numa ditadura no Estado de São Paulo. E ninguém está se importando com isso. A PM faz o que quer. Alckmin faz o que quer. E a maior parte da sociedade olha para o outro lado.

Você pode estar pensando: “Mas poxa. O Alckmin já suspendeu o fechamento das escolas. O que mais eles querem?”

Eles querem escolas melhores, com menos alunos por sala de aula e laboratórios e bibliotecas que funcionem. Eles querem funcionários em número suficiente e reformas em escolas que estão em estado deplorável. Eles querem aquilo que todo mundo aponta como o principal objetivo a ser buscado em uma administração pública: ensino de qualidade.

Eles querem estudar.

Eu não consigo imaginar um tema mais importante do que esse. Especialmente ao ver — não me contaram, não li, eu vi — crianças sendo tratadas com bombas, medo e repressão pelo governador Geraldo Alckmin.

Se isso não tirar você da letargia, não sei o que pode tirar.

Não acho que todo mundo tenha que estar na rua. Apesar de conhecer muita gente que está quando a manifestação é uma micareta conservadora aos domingos para tirar selfie com PM. De qualquer forma, sei que nem todo mundo tem o mesmo perfil.

Mas você precisa fazer o papel que mídia não faz. Precisa conhecer os gravíssimos problema da administração do Alckmin e espalhá-los como pode. Seja na internet, seja na ceia de Natal pro seu tio tucano.

E, se você se sentir enojado ao ver crianças sendo agredidas pelo governador por querem escolas melhores, você certamente será bem-vindo no próximo ato. Eu fui.

Só com a sociedade se engajando e se indignando de verdade temos alguma esperança de parar de ver uma luta justa ser tratada com violência pelo governo de São Paulo.

O fato é que, com sua ajuda ou não, o movimento vai continuar. Porque essa molecada está fazendo a minha geração se envergonhar pela apatia que a marcou. E eles não vão parar.

Não tem arrego.

PS. Perdoem possíveis erros de digitação. Tá foda… E as fotos não são ótimas, mas são minhas.