Um duelo que leva ao caos. Por Dilma Rousseff

Atualizado em 28 de março de 2021 às 11:26
Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. Foto: Wikimedia Commons

Publicado originalmente no site da ex-presidente

POR DILMA ROUSSEFF

A manchete da versão eletrônica do “New York Times”, o maior jornal dos Estados Unidos e um dos maiores do mundo, é dedicada em parte à catástrofe sanitária que atingiu Porto Alegre, uma das capitais mais ricas do Brasil e que, mesmo assim, vive uma situação de absoluto descontrole. A crise se caracteriza por expressivo aumento de mortes, chegando a 125 óbitos por hora, grande crescimento de internações de jovens com Covid19, falta generalizada de leitos de UTI, com 110% de ocupação, e filas de em média 240 pacientes a espera de uma vaga. Há ainda ameaça de colapso no fornecimento de oxigênio hospitalar e de sedativos para intubação.

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Médicos e enfermeiros, em situação de completa exaustão, já vinham pedindo a decretação de um lockdown na capital e em todo o estado desde fevereiro, quando perceberam que muitos doentes morriam nas filas, antes de conseguir um leito. Não foram atendidos porque, em Porto Alegre, onde a situação fugiu do controle, o prefeito é um negacionista como Bolsonaro, e trata vidas com descaso. Em declaração reveladora de sua índole, chegou a propor à população: “Coloque a sua vida em risco para que possamos salvar a economia”. E assim Porto Alegre vai se tornando o epicentro brasileiro de uma crise humanitária sem precedentes.

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A reportagem do jornal norte-americano não informa que, no Rio Grande do Sul, as autoridades estão negligenciando de suas responsabilidades, usando para isto um eufemismo chamado “cogestão de distanciamento controlado”, que permite que os prefeitos desobedeçam decisões tomadas pelo governo do Estado. Esta contradição amplia a exposição da população à morte. De um lado, hoje o estado inteiro está sob “bandeira preta”, situação caracterizada, entre outras graves questões, pelo colapso do sistema de saúde, e que impõe o fechamento completo das atividades, exceto serviços essenciais. De outro lado, em desrespeito à decisão do governo estadual, o prefeito da capital assinou decreto que desobedece as regras da bandeira preta e trata a cidade como se estivesse sob bandeira vermelha, permitindo a abertura do comércio não essencial, incluindo bares, restaurantes e shoppings. O duelo entre governador e prefeito provoca confusão e insegurança na população, certamente ampliando o colapso e o número de mortes.

No auge da crise humanitária, em vez de controlar mais a circulação, o prefeito flexibiliza as regras e, criminosamente, estimula a população a se submeter a maior risco de contágio. Enquanto o prefeito descumpre o seu dever e autoriza aglomerações, o governador foge de sua responsabilidade e se omite. Isto não é cogestão, é um pacto de leniência para desobedecer as regras de segurança e proteção. O que chamam de cogestão é simplesmente ausência de gestão, abandono do dever, entrega da população à sua própria sorte e contribuição decisiva para que uma situação já dramática se torne caótica e incontrolável.

No link a seguir, a reportagem do New York Times:

UM COLAPSO PREVISTO: como o surto de Covid19 no Brasil sobrecarregou os hospitais.

O vírus já matou mais de 300.000 pessoas no Brasil, sua propagação auxiliada por uma variante altamente contagiosa, brigas políticas e desconfiança na ciência.

https://www.nytimes.com/2021/03/27/world/americas/virus-brazil-bolsonaro.html