Um jovem do Iêmen fala dos ataques devastadores dos drones a seu país

Atualizado em 2 de maio de 2013 às 13:15

“Ataques aéreos estão fazendo com que mais e mais iemenitas odeiem a América e se unam a militantes radicais”, diz Ibrahim Mothana.

Um garoto aponta os estragos de um ataque
Um garoto aponta os estragos de um ataque

Ibrahim Mothana é um escritor e ativista iemenita de 24 anos. Eu tomei conhecimento dele quando escreveu um extraordinário artigo no New York Times no ano passado, incitando americanos a perceber como foi autodestrutiva e contraprodutiva a escalada da campanha dos drones de Obama em seu país, dizendo:

“Ataques aéreos estão fazendo com que mais e mais iemenitas odeiem a América e se unam a militantes radicais, não movidos por ideologia, mas sim por um sentimento de vingança e desespero…”

“O antiamericanismo é muito menos prevalente no Iêmen que no Paquistão. Mas, ao invés de ganhar os corações e mentes dos civis iemenitas, a América está alienando-os, matando seus parentes e amigos… Certamente, pode haver ganhos militares de curto prazo ao matar líderes militantes nestes ataques, mas eles são minúsculos em comparação com os danos a longo prazo. Uma nova geração de líderes está surgindo espontaneamente em retaliação aos ataques furiosos a seus territórios e tribos”

“Infelizmente, as vozes liberais nos Estados Unidos estão em grande parte ignorando, senão concordando, com as mortes de civis e as execuções extrajudiciais no Iêmen – incluindo o assassinato de três cidadãos norte-americanos em setembro de 2011, incluindo rapa de 16 anos. Durante a presidência de George W. Bush , a revolta foi tremenda. Mas hoje há pouca indignação, embora o que esteja acontecendo seja em muitos aspectos uma escalada da política de Bush.

“Defensores dos direitos humanos devem falar. A política de contraterrorismo dos Estados Unidos não apenas deixa o Iêmen menos seguro e reforça o apoio à AQAP [Al-Qaeda na Península Arábica], mas também poderia, no fim das contas, deixar em perigo os EUA e o mundo inteiro.”

Desde então, eu vi seu trabalho e tenho falado periodicamente com ele sobre vários assuntos, e estou impressionado com a forma cuidadosa, inteligente e sofisticada com que ele pensa sobre essas questões. Ibrahim foi convidado a viajar a Washington para testemunhar perante uma subcomissão do Senado que se reuniu na semana passada para examinar a legalidade do programa de drones de Obama. Ele não pôde comparecer e um de seus amigos, Farea al-Muslimi, testemunhou em seu lugar de maneira eloquente e poderosa.

Mas Ibrahim havia preparado o que teria sido o seu discurso de abertura para o Comitê e o enviou para mim (o Comitê também concordou em publicá-lo nos anais do Congresso). Estou publicando-o porque ele é extremamente perspicaz e comovente, e porque os americanos ouvem muito pouco as pessoas dos países que seu governo continua a bombardear, e de qualquer forma eu realmente espero que tanta gente quanto possível gaste um tempo lendo suas palavras:

Ibrahim Mothana
Ibrahim Mothana

O Iêmen e os Estados Unidos da América

Sr. Presidente e membros do comitê, eu gostaria de informá-los sobre o meu país. O povo de nossos dois países compartilha muitos dos mesmos sonhos, embora muitos americanos possam não perceber isso, em parte por causa de uma mídia que se concentra no terrorismo e abre mão de uma compreensão mais ampla do Iêmen. A Al-Qaeda e seus associados no Iêmen, na estimativa mais extrema, têm alguns milhares de membros, não mais do que um pequeno fragmento dos nossos 24 milhões de habitantes que esperam e sonham com um futuro melhor – que lhes ofereça dignidade, liberdade e estabilidade econômica.

Nós somos o país mais pobre do Oriente Médio, com mais de 50% das pessoas vivendo com menos de dois dólares por dia. Estamos ficando sem água e petróleo, a nossa principal fonte de receita externa. Nossa nação tem sido devastada por décadas de conflitos e ​​governos corruptos. Muitos dos meus amigos de infância estão desempregados e vivem uma luta diária para manter as suas necessidades humanas básicas. Em 2011, milhões de iemenitas que viveram décadas sob um governante autocrático organizaram uma revolução em grande medida pacífica, pedindo democracia, responsabilidade e justiça, os mesmos valores acalentados na democracia americana.

Muitos jovens, como eu, cresceram olhando para a América e seu povo em busca de inspiração. Entre muitas outras coisas que enriqueceram meus anos de adolescência, estão Cosmos, de Carl Sagan, os discursos de Martin Luther King, o sarcasmo de Mark Twain e os programas de TV americanos. A promessa de igualdade e liberdade parecia cumprida quando os Estados Unidos elegeram seu primeiro presidente negro. Com uma onda de felicidade, muitos iemenitas celebraram a posse de Obama e ele era mais popular entre os meus amigos do que qualquer outra figura do Iêmen. Eu fui inspirado pela promessa do presidente Obama de que “uma nova era de liderança que vai trazer de volta a credibilidade dos Estados Unidos em questões de direitos humanos”.

Mas a felicidade e a inspiração deram lugar à miséria. Minha admiração pelo sonho americano e as promessas de Obama foram ofuscadas pela realidade dos drones e do pesadelo no Iêmen.

Nos últimos anos, tenho visitado e trabalhado nas áreas do Iêmen que os EUA vêem como a vanguarda da Al-Qaeda e de forças associadas a ela. Eu testemunhei como o uso de drones por parte dos EUA contra supostos alvos militares aumentou o sentimento antiamericano no meu país, o que levou alguns iemenitas a participar de grupos de militantes violentos, motivados mais por um desejo de vingança do que por convicções ideológicas.

Nós iemenitas tivemos a primeira experiência com assassinatos seletivos do governo Obama em 17 de dezembro de 2009, com um ataque com mísseis de cruzeiro em Al-Majala, um vilarejo em uma área remota do sul do Iêmen. Esse ataque matou 44 pessoas, incluindo 21 mulheres e 14 crianças, de acordo com grupos de direitos humanos internacionais, incluindo a Anistia Internacional. O impacto letal da morte de inocentes durou por muito tempo. Em 9 de agosto de 2010, dois moradores foram mortos e 15 ficaram feridos na explosão de uma bomba de fragmentação que ficou daquele ataque.

Após esse acontecimento trágico em 2009, tanto iemenitas quanto autoridades norteamericanas continuaram uma política de negação que, finalmente, danificou a credibilidade e a legitimidade do governo iemenita. De acordo com um cabo diplomático dos EUA que vazou, em uma reunião em 2 de janeiro de 2010, o vice-primeiro-ministro Rashad al-Alimi disse que ele tinha apenas “mentido”, afirmando que as bombas no ataque al-Majala foram retiradas pelo iemenitas. O então presidente Ali Abdullah Saleh fez uma promessa ao general Petraeus, em seguida: “Nós vamos continuar dizendo que as bombas são nossas, não de vocês”. Esse conluio foi uma injúria aos iemenitas.

No Iêmen, sabemos que a confiabilidade da inteligência dos Estados Unidos para lançar e denunciar ataques aéreos é questionável. Por exemplo, as autoridades iemenitas afirmaram três vezes que Saeed al-Shiri, o segundo no comando da base da Al Qaeda na Península Arábica (AQAP), foi morto por um ataque de drones. De acordo com a mídia internacional, pelo menos outros 30 supostos militantes foram mortos nesses ataques. Mas, recentemente, em 08 de abril de 2013, Shihri parecia estar vivo. Então, quem eram as dezenas de pessoas mortas nos três bombardeios que supostamente o mataram?

Nunca se sabe quando um drone vai aparecer, mas o estrago é certo
Nunca se sabe quando um drone vai aparecer, mas o estrago é certo

Na maioria dos casos, iemenitas não têm nenhuma explicação sobre o porquê de supostos militantes serem mortos e a ameaça que elas representam para os Estados Unidos. Se a inteligência não identificou Shihri, os supostos militantes que foram mortos nesses incidentes podem ser apenas pessoas aleatórias que estavam no lugar errado.

Nós iemenitas estamos profundamente preocupados com o fato como a administração Obama parece estar evitando a questão das detenções indefinidas de Guantánamo e a execução de suspeitos sem chance de defesa. Um exemplo é o assassinato seletivo de Adnan al-Qadhi em 7 de novembro de 2012, um tenente-coronel do exército iemenita acusado de ser um militante da Al-Qaeda em Sanhan, bairro 22 milhas a leste da capital iemenita e a 15 minutos de carro de onde eu moro. Sanhan está perto de uma das maiores bases da Guarda Republicana, no momento uma das unidades militares mais poderosas do Iêmen. De acordo com seus familiares, autoridades iemenitas poderiam ter detido Adnan quando quisessem. O irmão de Adnan, Hemyar al-Qadhi, me disse: “Adnan foi preso e liberado pelo governo em 2008 e nós mesmos o teríamos entregado às autoridades se eles nos tivesse pedido novamente.”

Durante minhas visitas a Abyan, Shabwa e Radaa, três áreas do centro e do sul do Iêmen, onde os EUA têm realizado assassinatos seletivos, eu fiquei impressionado com a tristeza das reuniões de família vítimas de drones, que sofrem de uma combinação infeliz de perda pessoal e carga econômica devastadora. Muitos dos filhos de vítimas de ataque que eu vi foram severamente desnutridos e famílias perderam seu principal provedor financeiro. Para muitos dos jovens, a morte parecia um fardo mais fácil do que a vida. Nesse panorama desolador, juntaram-se à luta contra o governo.

Com aviões sobrevoando 24/7, as pessoas estão vivendo em constante medo e ansiedade ante a possibilidade de um novo ataque. Durante minhas visitas a essas áreas, eu presenciei o medo. Senti-me como Adel al-Jonaidi, um estudante colegial que vive em Radaa, quando ele me disse: “Sempre que drones estão pairando na área, é como estar num estado de espera sem fim para a execução.”

Quanto mais injustificada a morte de uma vítima de drones, mais raiva ela cria no seio das comunidades locais. Reação irada como a que se seguiu à morte num ataque de drone de Salem Ahmed Bin Ali Jaber, um clérigo moderado que muitas vezes denunciou a violência e se opôs publicamente à al-Qaeda. Tais ataques põem em xeque as alegações dos EUA de que eles são cirúrgicos, já que o número de combatentes da AQAP aumentou de algumas centenas em 2009 para alguns milhares em 2013, de acordo com estimativas do governo iemenita e norte-americanas.

Em outro ataque frustrado, um míssil atingiu uma van no centro de al-Bayda em 02 de setembro de 2012, matando 12 civis, três deles crianças. A imprensa local e internacional, inicialmente, citou autoridades iemenitas anônimas dizendo que o alvo eram militantes, mas a mídia estatal mais tarde admitiu que um “acidente” matou civis. Durante uma recente visita a Radaa, a cidade perto do local do ataque, eu conheci Mohamed Mabkhoot, um parente de um dos civis que foram mortos. Mabkhoot explicou como, meses depois do ataque, ainda cresce a raiva da apatia e da incapacidade do governo iemenita em trazer justiça para os afetados pelo ataque.

“Nossas vidas não são inúteis e é senso comum que as pessoas começam a odiar a América quando seus parentes e familiares inocentes são mortos. Jovens estão desesperados e vão lutar até morrer se não lhes resta nada para viver”, ele me disse.

Ataques aéreos e de intervenção militar dos EUA são o grito de guerra que a Al-Qaeda e suas afiliadas no Iêmen usam para recrutar mais combatentes. No Iraque, a Al-Qaeda foi criada do zero a partir de 2003, aproveitando as queixas locais que a guerra criou. Algo semelhante está acontecendo aqui no Iêmen. Durante minhas visitas a diferentes partes do meu país, mesmo que eu veja uma ampla oposição à AQAP, eu também ouço objeções à intervenção estrangeira dos Estados Unidos.

Até mesmo aliados naturais dos Estados Unidos, como líderes jovens, intelectuais e da classe média alta, sentem que os assassinatos seletivos violam a soberania do Iêmen. Muitos de nós lembramos com tristeza de uma frase de uma coletiva de imprensa do presidente Barack Obama em 18 de novembro de 2012: “Não há nenhum país do mundo que toleraria mísseis de fora de suas fronteiras chovendo sobre os seus cidadãos”.

Muitos de nós, no Iêmen, acreditamos que os ataques aos líderes da AQAP podem ser contraproducentes. Os ganhos militares de curto prazo são minúsculas em comparação aos danos a longo prazo dos programas de assassinato seletivo. No lugar de um líder morto, novos líderes rapidamente emergem em retaliação furiosa.

Como Khaled Toayman, jovem de Sheikh Marib e filho de um membro do parlamento iemenita, me disse: “Nós somos contra o terrorismo e nós procuramos viver em paz e com dignidade como qualquer outra pessoa no mundo. Eu não odeio a América e os americanos. Só quero saber por que meus pais estão mortos”.

Em minhas visitas às áreas afetadas por ataques aéreos, observei um sentimento crescente de que a América é parte de um problema e não uma solução. No Iêmen, é impossível vencer uma guerra com ataques aéreos se os serviços básicos e necessidades humanas permanecem insatisfeitos. Por um pedaço de pão, você pode empurrar um jovem faminto, desesperado e com raiva a lutar pela al-Qaeda, talvez independentemente de suas convicções ideológicas.

Cena comum no Iêmen
Cena comum no Iêmen

Conclusão

Sr. Presidente e membros do comitê, nós, iemenitas, somos os que mais sofremos com a presença da Al Qaeda e nos livrarmos dessa praga é uma prioridade para a maioria das pessoas no país. Mas também vemos que não há nenhuma maneira fácil de acabar com o terrorismo. Só uma abordagem de longo prazo, que fortaleça a democracia, a responsabilidade e a justiça, juntamente com os programas sociais estruturais, pode trazer segurança ao meu país.

Quando eu peno em soluções, acho que os nossos ideais são comuns. Edward S. Herman nos oferece uma crítica e uma oportunidade em sua reflexão sobre o conceito da banalidade do mal de Hannah Arendt: “Fazer coisas terríveis de forma organizada e sistemática baseia-se em uma ‘normalização’. Este é o processo pelo qual atos feios, degradantes, assassinos e indizíveis se tornam rotina e são aceitos como ‘a maneira como as coisas são feitas”.

Como cidadão iemenita, exorto o governo dos EUA a não normalizar crimes cometidos sob o nome do seu grande país. Apelo ao governo dos EUA que sejam transparentes em relação aos ataques autorizados no Iêmen e para compensar os civis afetados. Apelo aos Estados Unidos para refletir criticamente sobre o uso de ataques direcionados e ver como a política de contraterrorismo no Iêmen traz insegurança, e não segurança, ao meu país, à região, aos EUA, e ao mundo inteiro.