O que é jornalismo, segundo o maior editor da história

Atualizado em 11 de dezembro de 2014 às 3:44
Pulitzer, retratado pelo grande pintor John Singer Sargent em 1909, dois anos antes de sua morte
Pulitzer, retratado pelo grande pintor John Singer Sargent em 1909, dois anos antes de sua morte

Uma magnífica, e eterna, aula de jornalismo. É assim que você pode classificar o livro Uma Aventura com um Gênio, de Alleyne Ireland.

O gênio em questão é Joseph Pulitzer, ou JP, como Ireland chama o grande jornalista do qual foi assistente pessoal depois que ele perdeu a visão.

Ireland foi um entre vários assistentes de Pulitzer. Sua principal função, como a dos demais colegas, era ler para o chefe. Jornais, romances, biografias, peças – o apetite literário de JP era imenso e variado.

A diferença entre Ireland e os companheiros é que ele registrou sua convivência com JP.

O livro é encontrado de  graça no Projeto Gutenberg, um centro de digitalização de livros sob domínio público. Não há versão em português, apenas em inglês.

Ireland retrata o grande homem e o grande editor ao mesmo tempo. Judeu de origem húngara, Pulitzer foi para os Estados Unidos aos 16 anos, e se alistou para lutar pelo Norte na Guerra Civil, num batalhão em que a língua principal era o alemão. Ele não falava inglês.

Terminada a guerra, desempregado, foi despejado de um hotel em Nova York por não ter 50 centavos para pagar pela hospedagem.

“Em menos de 20 anos, ele comprou o hotel, colocou-o abaixo e ergueu nele o Edifício Pulitzer, um dos maiores prédios de Nova York”, conta Ireland.

Era lá que ficava a redação do The World, jornal que, como diz Ireland, era um filho para JP.

Quando entrevistou Ireland para decidir se o contratava, Pulitzer listou as coisas que julgava importantes para um assistente – e para um jornalista.

“Tenho que saber se você tem tato, paciência, senso de humor, capacidade de condensar informação e, acima de tudo, respeito, amor, paixão pela precisão.”

Ireland, você vê no livro, aprendeu muito com JP sobre a arte de editar um jornal. “Como um pescador, o editor tem que fisgar seu leitores com uma isca que contenha aquilo que os peixes querem, e não ELE”, escreveu Ireland.

Pulitzer sabia o que os peixes queriam. Quando ele comprou o The World, a circulação era de 15 000 exemplares. Pulitzer levou-a a 350 000.

A obsessão maior de Pulitzer era com a precisão. “A precisão para um jornal é o que é a virtude para uma mulher”, dizia. “Se você olha as mensagens que mando para os jornalistas do The World, vai ver que precisão, precisão e precisão é a maior e mais urgente exigência que faço.”

Pulitzer tinha princípios vitais. Para ele, jornalista não podia ter amigo, porque fatalmente este seria favorecido no noticiário.

Ele é insultado cada vez que jornalistas como Merval Pereira se deixam fotografar abraçados a juízes do STF como se isso fosse uma banalidade.

JP fundou, também, as bases do moderno jornalismo como negócio. Ele dizia que um jornal tinha que ter circulação ampla, para ter publicidade e, com isso, dinheiro para ser independente.

“Mas se eu apanho qualquer homem do The World deixando de dar alguma coisa porque um anunciante pediu eu demito imediatamente”, dizia.

Sua capacidade de trabalho era colossal. Em seus primeiros tempos de Estados Unidos, num certo momento trabalhava oito horas pela manhã e mais oito à noite. Das oito restantes, dedicava quatro a estudar inglês.

O estilo perfeito, para ele, era como um vidro através do qual você olha as coisas sem percebê-lo.

Uma vez lhe perguntaram por que era tão severo com os editores e tão tolerante com os repórteres. “Bem, suponho que isso aconteça porque todo repórter é uma esperança e todo editor uma decepção.”

Extravagante, Pulitzer passava longos períodos em seu iate, chamado Liberty. Foi a bordo dele que morreu em 1911, aos 64 anos, do coração.

Suas últimas palavras, quando uma secretária lia para ele uma biografia de Luís XI, foram ditas em alemão. “Calma, mais devagar”, pediu.

E então morreu.