Um passeio pelas ruínas do direito do trabalho. Por Leandro de Andrade

Atualizado em 10 de novembro de 2017 às 8:24

POR LEANDRO DE ANDRADE

Hoje, 11 de novembro de 2049, navegamos sobre a Zona AL-5782, que décadas passadas se chamou cidade de Maceió, Alagoas. Os escafandristas acabam de regressar da última pesquisa em campo: coletaram as derradeiras informações do pouco existente das ruínas submersas de usinas esquecidas no passado.

Também encerraram as escavações nos prédios-caixões outrora utilizados como empresas de telemarketing, tão comuns naquela época.

Os arqueólogos concluíram que aquelas primeiras estruturas processavam cana de açúcar e rurícolas pelas engrenagens pouco mais avançadas do que aquelas utilizadas na escravidão. Os prédios-caixões, embora mais recentes que as usinas, processavam jovens em primeiro emprego com pouca instrução, matéria-prima abundante naquela época.

Já é possível a nossa equipe apresentar ao controle da missão algumas conclusões sobre a forma de como o Direito do Trabalho e suas instituições deixaram de existir.

Há registros sobre o papel de ministros, que em época de Estado laico, declaravam-se “cristãos”, mas, aberta e desavergonhadamente, pregavam o trabalho escravo como importante para o desenvolvimento; o critério censitário para definir a “moral” dos trabalhadores; o suposto grande número de trabalhadores que se mutilavam com o fito de receber indenizações; e muitas outras posições que ruboresceriam as faces de Jesus Cristo.

O comportamento deles limitava-se ao anedotário, bobos da corte que só se encontravam naqueles cargos por questões político-fisiológicas e cujo papel na história foi extremamente limitado, assim como seus respectivos currículos.

O poder legislativo, notadamente na destruição causada pela reforma (sic) trabalhista, possui certo destaque. Ele foi fundamental para a involução tecnológica e social daquele período, pois arruinou a demanda pelo emprego.

A dita reforma, mais para demolição, desarticulou seriamente a estrutura produtiva do País. Pessoas deixaram de almejar empregos como médicos, engenheiros, pesquisadores e astrofísicos para abrir PJ’s, viver de bicos, pulando de trabalho em trabalho, com nenhuma possibilidade de contribuir para a construção de um projeto desenvolvimentista nacional.

Em nome da precarização das condições laborais para supostamente aumentar a quantidade de postos de trabalho, passou a ser mais vantajoso ao trabalhador virar “mico” empreendedor individual, por exemplo vendendo cerveja e refrigerante na porta do estádio Rei Pelé em dia de clássico do CSA vs. CRB, do que se sujeitar a ganhar centavos por hora extra negociada “livremente” entre patrões e empregados.

Contudo, há uma injustiça em atribuir a responsabilidade de tal desconstrução a somente ao poder legislativo, a uma só entidade, a um só momento histórico. Os fundamentos basilares do Direito do Trabalho foram demolidos em ação coordenada por vários outros poderes e “sem poderes”.

O executivo foi responsável pela depredação e inanição da prestação do serviço público. A estratégia foi, até certo ponto, simples: não abrir concurso para sequer repor os quadros efetivos; deixar as estruturas físicas das repartições em condições insalubres e, literalmente, em ruínas; desinvestir em tecnologia; não destinar orçamento sequer para insumos básicos como gasolina para viaturas.

Quanto ao poder judiciário, nossos arqueólogos verificaram um histórico de implosão de princípios trabalhistas nos tribunais superiores, como a prescrição quinquenal de FGTS, permissão para contratação de Organizações Sociais na administração pública, prevalência do negociado sobre o legislado, cancelamento da ultratividade dos instrumentos coletivos de trabalho, nulidade da desaposentação, dentre outros.

Hoje, em 2049, concluímos que as pessoas daquela época eram realmente inocentes em acreditar que frases como “tenho alergia ao Direito do Trabalho”, “a justiça do trabalho nem deveria existir” ou “a fiscalização do trabalho impede o crescimento econômico do País” eram fanfarreadas somente nos gabinetes dos congressistas na Capital Federal.

Tamanha inocência só se compara àquela das pessoas que, realmente, acreditavam que hoje, 2049, teríamos conhecimento suficiente para viajar no tempo e retornar ao passado, mesmo deixando uma geração inteira de cientistas trocar os estudos para limpar os túmulos e vender flores aos visitantes dos cemitérios da antiga Zona AL-5782.