Velhos vizinhos: o encontro entre Jerry Seinfeld e Michael Richards

Em Comedians in Cars Getting Coffee, o programa de Jerry Seinfeld no canal Crackle, na internet, Seinfeld apanha, com um de seus carros vintage de sua coleção, diversos colegas para fazer o que sugere o título: tomar café. Simples assim. Eu já falei do seriado aqui. Eventualmente, como no caso em que Alec Baldwin era o convidado, a coisa não evolui para além de papo furado. Com Michael Richards, a conversa transcendeu para um encontro sobre a amizade, o poder das palavras, o erro, a culpa — e o xadrez.
Richards era o Kramer de Seinfeld, de longe a melhor sitcom de todos os tempos. Durante os dez anos em que a “série sobre o nada” esteve no ar, Kramer provocava gargalhadas com seu humor físico e dinâmico (tão dinâmico que, segundo o apresentador David Letterman, você podia sentir medo dele). Era o vizinho atabalhoado de porta de frente de Jerry.

No episódio de Comedians, Jerry o apanha em sua casa na Califórnia com uma Kombi 66 cuja lataria apanhou mais do que Chael Sonnen no octágono. (Você pode assistir no Crackle, mas precisa cadastrar seu email). “A Kombi é você, Michael”, diz ele. Ao chegar à lanchonete, Richards fala sobre seus dotes como enxadrista no exército e seu encontro com um homeless que andava com um tabuleiro debaixo do braço. Ele lembra que desafiou o vagabundo. “Ok, vamos jogar duas partidas. Mas, se eu vencer, não passará disso”, disse o sujeito. Richards perdeu duas vezes em minutos e seus apelos para mais uma não foram ouvidos. “Ele não tinha tempo. Era bom demais para isso”.

E então faz um mea culpa sobre a apresentação de stand-up em que perdeu o controle e ofendeu a plateia com xingamentos racistas, há sete anos. “Eu devia ter ido para casa para melhorar meu material e pronto”, lamenta. “Aquilo me destruiu”. Seinfeld dá a resposta. “Cabe a você dizer: ‘carreguei esse peso por tempo suficiente. Está na hora de colocá-lo no chão’”. Ao saírem, os dois são reconhecidos por fãs que pedem autógrafos e são prontamente atendidos.

Você precisa ser cínico para achar que eram apenas dois atores trabalhando. Cícero disse em seu pequeno tratado Da Amizade: “Que coisa tão doce como ter com quem falar de todo tão livremente como consigo mesmo?” Michael Richards foi perdoado por milhões de pessoas para quem sua arte é importante. Já passou da hora de ele mesmo se perdoar.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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