Uma aula magna de entrevista e de jornalismo

Atualizado em 1 de setembro de 2013 às 20:32

A homenagem do DCM ao jornalista e apresentador de televisão britânico David Frost, morto ontem aos 74 anos, célebre pelas suas entrevistas com o ex-presidente norte-americano Richard Nixon.
frosts

NÃO ME LEMBRO de ter visto, em minha carreira, uma lição de entrevista tão boa quanto a que você tem no filme Frost-Nixon. Todo estudante de jornalismo deveria vê-lo. Não é sempre que você tem uma aula tão útil e tão gostosa.

David Frost era um jornalista inglês de segunda linha quando conseguiu uma entrevista com Richard Nixon em 1977, pouco tempo depois de ele ter renunciado à Casa Branca por força do escândalo de Watergate.  (É o nome do prédio, em Washington, em que seguidores de Nixon espionaram a campanha do partido rival, os democratas.) Aos 38 anos, inglês, Frost era mais conhecido como playboy e comediante do que como entrevistador.

Ele furou as grandes emissoras americanas por dois motivos. Primeiro, pareceu a Nixon fácil de ser manobrado na entrevista, que era vista como uma oportunidade de reabilitação de imagem. Depois, aceitou pagar 600 000 dólares a Nixon, um dinheiro que hoje, corrigido, é várias vezes o que era.

Frost se preparou exemplarmente para a missão. Contratou um historiador que o introduzisse na biografia de Nixon, o único presidente americano a renunciar. Testou as perguntas que pretendia fazer em um auxiliar orientado a responder dentro das características de Nixon. Como escreveu na época a revista Time, Frost se transformou, com a preparação, de um “britânico charmoso num bulldog inglês”.

Foram 12 dias de entrevista, com duas horas em cada sessão. As 24 horas foram editadas e se tornaram quatro programas de 90 minutos cada. O primeiro até hoje detém o recorde de audiência para uma entrevista política na tevê americana: 45 milhões de telespectadores.

Frost está intensamente concentrado, outro ponto essencial numa entrevista.  Presta atenção em cada palavra, cada gesto do entrevistado, e sabe assim o que fazer em seguida. Jamais interrompe Nixon pelo gosto de ouvir a própria voz.  Tem uma noção precisa dos momentos em que deve intervir, ou para evitar a monotonia das dispersões ou para fechar uma reflexão importante. É assim que ele arranca de Nixon uma declaração extraordinária, segundo a qual o que um presidente faz é, automaticamente, legal. Os assessores de Nixon, que acompanhavam a entrevista, quase enlouquecem neste momento. A frase está no vídeo abaixo. (O artigo segue depois.)

Frost, e aí vai mais uma lição, foi inquisitivo sem ser arrogante, dono da verdade e presunçoso.

FOI UM ENCONTRO extraordinário do qual ambos saíram em situações diferentes. Nixon não conseguiu limpar sua imagem e até sua morte por um derrame fulminante, em 1994, foi um pária. Frost virou uma grande estrela do jornalismo de televisão na Inglaterra. Um dos primeiros mestres dos talk-shows, comandou programas bem-sucedidos e foi sagrado cavalheiro pela Rainha. Ainda hoje, aos 71 anos, Sir David Frost está na ativa. Tem um programa semanal de atualidades na Al Jazeera, a rica empresa de mídia do Oriente Médio.  Fez, recentemente, um documentário para a BBC sobre a sátira política na televisão, área em que se iniciou na carreira no começo dos anos 60.

A atitude exemplar de David Frost como entrevistador foi além da entrevista em si. Ele fez questão de se despedir pessoalmente de Nixon. Deu ao homem atormentado um par de sapatos italianos igual a um de que ele dissera ter gostado. E então voltou para a Inglaterra para recolher sob os holofotes  a glória merecida de uma entrevista que fez história enquanto Nixon, jamais perdoado, arrastaria na sombra seu infortúnio até a morte.

O filme sobre a entrevista
O filme sobre a entrevista