Uma criança não pode ser obrigada pelo Estado a parir de seu estuprador. Por Nathalí

Atualizado em 21 de junho de 2022 às 9:11
A juíza Joana Ribeiro Zimmer. Imagem: Reprodução.

Por Nathalí

Imagine o inferno de viver em um país onde uma menina de 11 anos é estuprada e a juíza, que deveria aplicar a lei para salvá-la, nega a uma criança o aborto legal?

Aconteceu ontem mesmo, no Brasil, é claro.

Joana Ribeiro Zimmer é o nome do monstro moral, uma verdadeira “tia” (quem viu The Handmaid’s Tale entendeu, e quem não viu, deveria ver), juíza da 1ª Vara Cível de Tijucas (SC).

Essa mulher, que também já teve 11 anos, mas decerto nunca foi estuprada, decidiu por obrigar uma criança a parir de seu estuprador. A justificativa: a gravidez tem 29 semanas, tempo superior ao permitido no código penal (no caso de mulheres adultas e não de crianças estupradas).

Assim a magistrada fundamentou, equivocadamente, sua decisão:

“Lembro que vigora no Brasil o Marco Legal da Primeira Infância, que deixa clara a proteção do bebê desde a gestação, daí o fortalecimento legal da interpretação da autorização do Código Penal pela literalidade da palavra ‘aborto’ lá contida, como conceito que, segundo a entidade, é considerado apenas até 22 semanas ou 500g do bebê.”

Acontece que a OMS não menciona os limites de duração da gestação nas suas novas diretrizes sobre o aborto divulgadas em março. A “doutora” está desinformada ou só é dada a maltratar crianças estupradas?

Aliás, para além disso, a lei não deve ser levada ao pé da letra, e sim aplicada de acordo com as peculiaridades do caso concreto – para isso existem as outras fontes do direito, como jurisprudência, doutrina, costumes, moral, direito comparado.

Levar ao pé da letra uma lei que destruirá a vida – quem sabe se não literalmente – de uma criança de 11 anos, sem sequer consultar o que diz a Organização Mundial de Saúde, não é apenas não saber o mínimo sobre o seu trabalho: é perversidade em nível máximo.

Ser mulher no Brasil, aliás, é um escárnio perverso e contínuo.

Viver nesse país é, em geral, adoecedor. Para ter esperanças, você precisa se alienar. Porque se você ler o noticiário, lá está uma juíza perguntando: será que o “pai” concordaria com um aborto da criança que ele estuprou?

Isso é tão absurdo que quase não há palavras para responder. Que pai? Estuprador não é pai. Pedófilo não é pai. Um criminoso que certamente jamais arcaria com a responsabilidade de um filho fruto de uma relação consentida com uma mulher adulta, menos ainda fruto do estupro de uma criança, não deve ser consultado para que se aplique a lei, deve ser julgado e punido. Por que ainda precisamos dizer o óbvio?

Como se não bastasse, a menina está sendo mantida em um abrigo, para que a mãe não possa salvar a própria filha de mais um trauma irreparável. Me expliquem: como viver nesse país? Como ter qualquer nível de confiança nesse poder judiciário?

A mudança que o Brasil precisa não exige apenas a queda de Bolsonaro. O sistema judiciário precisa de uma reforma pra ontem.

As cadeiras de juízes, promotores, defensores, desembargadores, estão ocupadas, em sua maioria, por burgueses conservadores que volta e meia se sentem na idade média e agem como agiu a meritíssima capitã do mato de mulheres.

Assim como o Planalto, o judiciário – de onde saiu, aliás, Sergio Moro – está podre, e é por essa razão que a cada dia que passa sinto mais alívio por ter pego meu diploma em Direito e ido fazer mestrado em cultura – talvez a única coisa que possa nos salvar – pra nunca mais precisar olhar na cara de um engravatado.

O caso será analisado pelo Tribunal de Justiça – tão podre quanto todo o resto –  que tem por obrigação aplicar a Lei considerando as peculiaridades do caso concreto, como o direito hodierno não apenas preconiza, mas exige.

Uma criança não pode se tornar mãe do filho de um estuprador porque uma juíza perversa decidiu aplicar o código penal como se aplicaria a uma mulher adulta que engravidou a partir de uma relação sexual consentida.

Repito: uma criança não pode perder sua vida porque uma juíza não sabe fazer o seu trabalho.

Nós, imprensa, esperamos firmemente que a pressão popular funcione e o Tribunal de Justiça – ao contrário da juíza de primeiro grau – faça o seu trabalho como deve ser feito.

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