Uma entrevista com Jo Nesbo, estrela do romance policial escandinavo

Atualizado em 4 de novembro de 2014 às 12:48

Publicado no site goodreads.

Nesbo
Nesbo

Harry Hole, o detetive brilhante e alcóolatra do escritor policial norueguês Jo Nesbo, protagonista de uma série de dez livros, se mostra mais sombria e curiosamente atraente quando o romancista o remove das ruas alegres de Oslo e o transporta para o exterior. Em The Bat – primeiro romance de Nesbo e best-seller do New York Times –, Hole procura o assassino de uma celebridade de segunda categoria em Sydney, Austrália, providenciando ao leitor um lampejo de sua personalidade peculiar – desorientado e desembaraçado. Em Cockroaches, o segundo romance do autor, Hole é enviado novamente ao exterior; dessa vez, para Bangkok, onde investiga o assassinato de um embaixador norueguês cujo corpo foi descoberto em um motel em Patpong. As descrições fornecidas por Nesbo das ruas ensurdecedoras transformam a cidade no segundo melhor personagem do romance. Para Hole, Bangkok é um local desagradável, úmido, sufocado de corrupção, crimes sexuais, poluição e trânsito. Nesbo, no entanto, afirma estimar profundamente a Tailândia. Na entrevista a seguir, concedida a Mickey Stanley, o autor fala sobre escalada, Jim Thompson e o sucesso acidental de seu primeiro romance.

GoodreadsO que você está fazendo na Tailândia?

Jo Nesbo: Estou em um lugar chamado Railay. É uma península – um parque nacional onde se pode praticar escalada. Eu venho para cá todos os anos com outros alpinistas. É meio que um acampamento militar… Escalando e escrevendo.

Goodreads: Então você conhece bem o país?

Jo Nesbo: Quando vim para a Tailândia da primeira vez, passei vários meses em Bangkok; somente em Bangkok. Eu não vim para cá. Dois anos depois, um amigo meu, que toca na minha banda e é uma espécie de roqueiro alpinista, disse, “Você deveria vir para cá escrever”. E eu fui. Isso foi há 12 anos.

Goodreads: Você disse que as Crônicas Marcianas de Ray Bradbury o inspiraram a escrever um romance, Cockroaches, passado em Bangkok. O que fez quando iniciou a pesquisa para o livro em Bangkok?

Jo Nesbo: Quando vim para Bangkok, eu não estava preparado. Eu havia viajado muito, então não vou dizer que era um viajante inexperiente, mas fiquei desconcertado na cidade devido ao calor, ao estilo de vida caótico e à poluição. Eu não me hospedei na área dos mochileiros, na dos turistas ou dos endinheirados. Na verdade, fiquei em um lugar muito convencional de Bangkok, próximo à cidade. Eu estava morando com um amigo e, nos primeiros dois dias, achei que não seria capaz de suportar. Minha primeira reação foi, “Você não pode ficar aqui. Você precisa ir embora”. Mas, com o passar do tempo, a cidade se impõe sobre você. Você se acostuma a ela. Acabei me apaixonando por Bangkok.

Por um lado, eu caminhava aqui sabendo que estava possuia uma “missão”, que estava trabalhando – e observava avidamente tudo que pudesse incluir no romance. Mas, por outro lado, naqueles dias eu não planejava meus livros tão detalhadamente quanto agora, então me abri para a experiência… Eu apreciei todos os aspectos de Bangkok – as coisas que usei no livro e até mesmo aquilo que não usei. Recebi recentemente um e-mail do restaurante francês na área de Patpong em Bangkok, e eles expressaram muito orgulho por terem sido colocados no livro.

Goodreads: O povo tailandês lê seus livros? O que eles sentem, ou sentiriam, em relação à maneira como seu país é retratado?

Jo Nesbo: Alguns dos meus livros foram traduzidos para o tailandês. Isso é recente e é certo que, se tais livros forem bem recebidos, em algum momento eles acabarão traduzindo Cockroachestambém. Eu amo a Tailândia e amo o povo tailandês, então espero que não se ofendam, porque que aquela foi minha primeira viagem para a Tailândia e eu escrevi o romance da mesma maneira que escrevi The Bat – do ponto de vista de um forasteiro, alguém que acaba de chegar. Fiz isso porque Harry havia acabado de chegar à cidade; que, para ele, era como Marte – um lugar completamente estranho aos seus costumes. Então penso que foi uma maneira eficiente de escrever sobre Bangkok. Mas é claro que não pude falar sobre o país com o conhecimento de um cara que viveu dez anos nele. Hoje em dia, conheço a Tailândia melhor do que naquela época. Mas, mesmo assim, passei dois meses fazendo pesquisas.

Goodreads: Cockroaches é o segundo romance da série de Harry Hole, mas o último a ser traduzido para o inglês. Por que isso?

Jo Nesbo: Quando começamos a vender os direitos para a série, pensei que os primeiros romances não seriam muito interessantes para o público americano porque eram sobre um detetive norueguês. Sei que é um pensamento meio estranho, mas no primeiro romance, The Bat, Harry estava em Sydney, e no segundo, Cockroaches, em Bangkok – parecia excêntrico demais. Mas como The Bat se saiu muito bem, quiseram traduzir o segundo romance. Acho que, se não fosse pelo sucesso dos outros livros, Cockroaches não teria sido traduzido. A série completa conquistou muitos fãs.

Goodreads: Nós americanos nos sentiríamos amargurados caso tivéssemos apenas 9 de 10 livros.

Jo Nesbo: É… As coisas ficaram meio confusas para leitores americanos e ingleses porque os livros foram traduzidos na hora errada. Traduziram primeiro o quinto livro da série, depis o terceiro, o quarto, o sétimo… Por fim, o primeiro e agora o segundo. Pelo menos estão usando o título certo na Grã-Bretanha, onde minha editora é Random House.

Goodreads: Peggy, membro do Goodreads, fez a seguinte pergunta: “O que você acha da tradução de seu trabalho para a língua inglesa? Acha que perde algo da linguagem nativa?”

Jo Nesbo: Acho. É inevitável. Eu sempre soube disso. Nunca leio nenhuma tradução, pois é sempre muito frustrante. Mas penso que Don Bartlett, meu tradutor, tem feito um trabalho muito bom. Sei quais os problemas pelo qual passou e acho que não os teria resolvido melhor. Mas algumas coisas se perdem nas traduções. Principalmente, o senso de humor. Há certas coisas que são recheadas de humor na minha linguagem, a escolha de uma palavra específica, etc. Mas é assim mesmo. Nem tudo pode ser traduzido.

Goodreads: Quando eu soube que seu detetive se chamava Harry, pensei imediatamente em Harry Bosch, dos romances de Michael Connelly. Você o admira?

Jo Nesbo: Definitivamente. Quero dizer, há muitos bons escritores de mistério americanos, assim como Michael. Dennis Lehane e James Ellroy são ótimos. Todos eles são grandes escritores – mas, como em qualquer outro país, há péssimos escritores de mistério. E as pessoas ficam meio surpresas quando digo a elas que temos péssimos escritores na Escandinávia, também.

Goodreads: Você disse que admira o trabalho de Jim Thompson, pois ele escreve romances policiais muito sombrios.

Jo Nesbo: Jim Thompson é provavelmente o escritor que inspirou-me a escrever os romances que escrevo. Na minha opinião, ele escreveu Psicopata Americano trinta anos antes de Bret Easton Ellis. Para mim, ele foi pioneiro em escrever sob o ponto de vista do sociopata. Esse tipo de escrita em primeira-pessoa é um ato de extrema coragem. E ele foi bem sucedido, com todo aquele humor negro; é realmente impressionante.

Goodreads: Você sempre quis escrever romances policiais? Pergunto isso porque muitos escritores de mistério começaram suas carreiras aspirando escrever outro tipo de romance e acabaram optando pelo gênero policial.

Eu não escrevi um romance policial porque pensei que seria mais fácil de vender; mas, como você sabe, o gênero tem uma forma e uma estrutura muito bem definida. Eu tinha um tempo limitado para terminar meu primeiro romance. Decidi escrever o rascunho em cinco semanas. Então pensei: “Ok, vou escrever um romance policial porque não tenho tempo para fazer outra coisa”. Muitos dos meus amigos aspiravam a se tornar escritores. Todos optaram começar com uma obra prima – que, naturalmente, nunca foi concluída. Então eu decidi, ok, vou escrever um romance policial. Pelo menos conheço a estrutura. Esse foi o motivo. Nem pensei em publicá-lo. Queria usá-lo para me apresentar a algumas editoras, esperando que eles gostassem e dissessem: “Muito bem, não temos como publicar isso, mas mande o que você escrever daqui para frente”. Fiquei chocado quando me contataram e disseram que queriam publicar meu romance policial. Percebi então que os romances policiais eram subestimados. E é mais fácil trabalhar rapidamente quando tem limites. Pelo menos é assim que as coisas funcionam para mim.

Além disso, os romances policiais tem algo de especial. Eles são como uma conversa íntima com o leitor porque, quando o leitor abre um romance policial, ele cria certas expectativas. Isso significa que, quando abre a primeira página, ele espera que você seja mais ou menos um ilusionista, então ele deve prestar atenção; e funciona quase como uma leitura interativa, em que você providencia o leitor com certas dicas. Eu gosto desse jogo – saber de verdade o que é esperado de você –; ter que, por um lado, atender às expecativas e, por outro, surpreendê-los. Penso que é muito desafiador – e gosto disso.

Goodreads: Foi esse jogo entre o escritor e o leitor que causou aos seus romances um sucesso estrondoso.

Jo Nesbo: Tudo gira em torno da história que é contada. Não acho que um romance policial tenha, obrigatoriamente, que conter um assassinato. É bom que tenha um assassinato… Pelo menos um. Eu não consigo me ver escrevendo sobre casos policiais ou desvendando assassinatos, mas acho que é um tema muito interessante para uma narrativa.

Goodreads: Martha, membro do Goodreads, escreveu: “Eu adoro todos os livros dele [Jo Nesbo]. Sempre quis saber como ele consegue manter todos os plot twists e não deixar nenhuma ponta solta, providenciando ao leitor a conclusão na hora certa, nem um minuto antes. Eu o imagino ao lado de uma enorme parede cheia de Post-it’s amarelos, os quais ele movimenta como se estivesse jogando um jogo de tabuleiro”.

Jo Nesbo: Eu escrevo uma sinopse. É como um resumo da história, e coloco tudo lá dentro. Então, eu a decoro. Mas quando estou trabalhando em um enredo, penso nele constantemente, noite e dia. Se eu o abandono por alguns meses, tenho que começá-lo de novo.

Goodreads: Agora, você está desenvolvendo um projeto baseado em Macbeth, não é mesmo? Você pode me contar alguma coisa sobre ele?

Jo Nesbo: No aniversário de 400 anos de Shakespeare, a Random House convidou determinados escritores a escrever romances baseados em suas peças. Pediram-me que escrevesse um romance com base em Macbeth. É meio assustador, mas não tão assustador quando você reflete um pouco. Eu disse em um artigo que não tentaria corresponder ao Macbeth de Shakespeare. Não vou tentar imitar o autor; vou analisar a estrutura da história escrita por ele. E é uma bela história.

Goodread: Marieldrucker, membro do Goodreads, perguntou: “Sua série de romances protagonizada por Harry Hole é formada por livros sombrios. O quão fácil é, para você, escrever os romances de Harry Hole e depois escrever livros infantis, tais como a série Doctor Proctor’s Fart Powder?

Jo Nesbo: Na verdade, não é tão difícil. As duas coisas são necessárias para mim. Acho que o Dr. Proctor… Bem, escrever esses livros é ótimo para fazer uma pausa no Harry. É tão diferente. Não sei muito bem como explicar, mas é mais ou menos assim: Se escrever um romance policial é como dirigir uma orquestra sinfônica, então escrever um livro infantil é como ir para um clube noturno e cantar com a banda. Não preciso planejá-lo com muito detalhe; mas, de uma maneira diferente, é muito desafiador. É mais divertido, mas também exige dedicação.

Goodreads: Katherine C., membro do Goodreads, perguntou: “Você já considerou a hipótese de escrever um romance histórico?”

Jo Nesbo: Se por romance histórico você entender um enredo fictício com alusões a eventos atuais mas ambientado em outra época, a resposta é sim, eu considerei essa hipótese. Mas não sei quando esse romance será escrito, nem se vou escrevê-lo de fato.

Goodreads: Você já começou algum?

Jo Nesbo: Tenho uma ideia inicial. Uma arma é produzida no início do século XX; uma linda arma que passa de mão em mão. Será uma história meio violenta, ambientada nos Estados Unidos e na Europa do século passado.