Uma explicação sobre juiz de garantias: chega de magistrado perseguidor! Por Afrânio Silva Jardim

Atualizado em 9 de janeiro de 2020 às 7:24
Justiça. Foto: GIL FERREIRA/SCO/STF

Publicado originalmente na fanpage de Facebook do autor

POR AFRÂNIO SILVA JARDIM, mestre e livre-docente em Direito Processual Penal pela UERJ

SINGELA EXPLICAÇÃO SOBRE O “JUIZ DE GARANTIAS”.

Tendo em vista que adotamos o sistema processual penal chamado de “acusatório”, que busca bem definir a atuação dos sujeitos processuais essenciais (juiz, autor e réu), com escopo de criar condições objetivas para a imparcialidade dos órgãos jurisdicionais, não pode restar a menor dúvida de que será muito salutar a introdução da “figura do juiz de garantias” em nosso sistema de justiça criminal.

A ideia é que haja um juiz para atuar na fase investigatória e outro para atuar na fase processual propriamente dita.

Importante ressaltar que o juiz de garantias não vai ser um “juiz de instrução”, não vai ser um órgão persecutório, não vai investigar os delitos. Isto compete à polícia com o controle externo do Ministério Público.

Na verdade, o juiz de garantias terá apenas a competência para deferir ou não as medidas cautelares postuladas pela polícia, pelo Ministério Público ou pelo indiciado, sem entrar no mérito ou valorar as provas carreadas para os autos.

Terá, ainda, competência para fazer o necessário juízo de admissibilidade da acusação penal, recebendo ou rejeitando a denúncia (Ministério Público) ou queixa (vítima, ofendido).

Trata-se de uma competência funcional horizontal, segundo lição do clássico autor e saudoso professor José Frederico Marques (Elementos de Direito Proc.Penal).

Como o juiz de garantias pode acabar influenciado pelo resultado das medidas cautelares que deferiu, quase todas inquisitórias, ou seja, não submetidas ao contraditório, pode ter ele comprometida a sua imparcialidade ou isenção, até mesmo pelo contato direto com a polícia, o Ministério Público e os peritos. Assim, não deve atuar no processo, caso o Ministério Público ofereça a sua denúncia, peça inicial do processo penal.

A denúncia do Ministério Público, apresentada com base na prova inquisitória do inquérito policial, será distribuída, por sorteio, a um novo órgão jurisdicional que, com isenção, vai formar a sua convicção com a prova que for produzida pelas partes no processo penal, regido pelas garantias constitucionais. Tudo isto se a ação penal for admitida pelo juiz de garantias, que deve examinar se ela está lastreada em um suporte probatório mínimo.

Assim, o juiz do processo de conhecimento condenatório, que permaneceu “distante” da investigação policial, tem melhores condições para julgar o mérito da pretensão punitiva com muito maior isenção. Sua convicção será formada na medida em que a prova seja produzida no processo, submetida ao contraditório, entre as partes processuais.

Entendo que tudo isso vale para os Tribunais. O desembargador ou ministro que tiver atuado na fase inquisitorial, na fase da investigação policial unilateral, não deve participar do julgamento do mérito do eventual processo penal.

Notem que o juiz de garantias será o “juiz natural” para atuar nesta fase pré-processual, devendo sua competência ser definida previamente em um ato normativo, genérico e abstrato, que deve estipular critérios objetivos e impessoais. Como todo magistrado, deve ser inamovível e ter todas as demais garantias constitucionais.

Desta forma, somente os juristas ou profissionais do Direito com formação autoritária e punitivista podem ser contrários a este “instituto processual”, que objetiva melhorar o nosso processo penal, tornando-o mais democrático, sem sacrificar a sua eficiência.

Chega de “juiz perseguidor” !!! Chega de juiz participante da investigação e que, ao final do processo, procura referendar tudo aquilo que deferiu durante a fase do inquérito policial.

Vamos dar eficácia concreta e efetiva às normas da Constituição Federal que criam as condições objetivas para preservar a indispensável imparcialidade do órgão jurisdicional.