“Uma mulher ao meu lado repetia ‘unglaublich’ (inacreditável)”: como foi a exibição do filme sobre o golpe em Berlim

Atualizado em 24 de fevereiro de 2018 às 19:47

Antonio Salvador, brasileiro residente em Berlim, narrou em sua página no Facebook como foi a exibição do documentário “O Processo” na capital da Alemanha. 

O filme “O Processo” de Maria Augusta Ramos, sobre o impeachment da Presidenta Dilma, foi ovacionado ontem no Festival de Berlim. Sala lotada. Nem sombra de ingressos, desde segunda-feira.

Percorrendo os corredores sombrios do Congresso Nacional, o filme consegue a proeza de penetrar as dramáticas personagens da História brasileira recente e exibí-las para além de suas personas.

As lentes e, mais propriamente, o olho da diretora souberam captar a fragilidade, o terror, os pensamentos hediondos, o humano, enfim. O resultado é, estética e dramaturgicamente, perfeito.

Em termos históricos, a diretora produziu o documento cinematográfico mais relevante do nosso tempo.

A reação do público foi uma narrativa à parte. Apenas para se ter uma ideia, o alemão não costuma aplaudir. Quando o faz, é discreto e não se demora. Gritos, nem pensar. Ao final das sessões da Berlinale, há em geral um bate-papo rápido com os diretores.

Pois bem. Eu nunca havia presenciado tamanha explosão no Festival. E não apenas ao final do filme, mas também durante. Houve de tudo: gritos, palmas, gargalhadas. Na fileira em que eu estava, só havia alemães.

Eles tem a mania de dar um tapa no ar, quando consideram algo absurdo ou ridículo. Era essa a reação frequente tão logo assomasse na tela a cara de Janaína Paschoal, Aécio, Cunha, Aloysio.

Uma mulher ao meu lado repetia incessantemente “unglaublich…” (inacreditável). Fiquei cismado sobre se as pessoas compreendiam o enredo kafkiano do processo. Ao final, perguntei à mulher e ela evocou os olhos dos julgadores! “Schau mal die Augen!” Só compreendi depois. Com efeito, assim é o cinema… Amplia-se um olho e ele logo contradiz a boca. Assim é a vida.

O estertor de aplausos foi demorado. Os gritos de “bravo!”, idem. Muitos críticos, jornalistas de todo o mundo, gente de cinema.

Salvo engano, foi em 2012 que conheci Maria Augusta. Aqui e acolá nos encontramos. Em comum, o fato de pertencermos à diáspora de artistas brasileiros.

Quando tudo acabou, ela me disse: “Parece que eles entenderam, não?”.

Visivelmente.

.x.x.x.

PS: Neste sábado, O Processo foi escolhido pelo público o terceiro melhor filme da mostra Panorama, a segunda mais importante do Festival de Berlim.