“Está em curso uma operação Abafa na perseguição da Lava Jato contra Appio”, diz Pedro Serrano

Advogado do juiz afastado falou ao DCMTV

Atualizado em 9 de junho de 2023 às 17:56
Pedro Serrano
Pedro Serrano – Foto: Felipe Bianchi/Barão de Itararé

O jurista Pedro Serrano concedeu uma entrevista ao DCM Ao Meio-Dia.

Segundo ele, há uma “Operação Abafa” por parte do TRF-4 e da Lava Jato ao afastar o juiz Eduardo Appio, seu cliente, da 13ª Vara de Curitiba.

Serrano também falou sobre o “cipoal” dos acordos de leniência de empresas nos processos da Operação Lava Jato e no dinheiro enviado para fora do Brasil sem anuência das instituições nacionais.

Para o jurista, investigar os acordos em torno das delações pode ter um efeito ainda mais explosivo do que os depoimentos do advogado Tacla Duran ou do empresário Tony Garcia.

Confira os principais trechos.

Operação Abafa

Já está num limite, com essa fala do Tony Garcia e de outros, que as investigações envolvendo a Lava Jato estão num limite para não tocar em alguns assuntos. Está pior do que isso. Está ocorrendo uma Operação Abafa.

Um juiz que decidiu abrir investigações [Appio], que foi muito moderado, foi afastado do cargo. É muito pior do que chegar nesse limite. O Moro prendeu gente para obter delação e confissões. O juiz Appio não fez nada disso. Fez o mínimo.

Ele recebeu denúncias, colocou no papel de mandou apurar. Por isso, afastaram esse cara sem direito de responder o processo. Não há condições hoje de ter uma apuração minimamente isenta na Lava Jato na Justiça do sul do Brasil. Não há.

Ou o STF, o CNJ, avocam esses processos, ou a gente discute uma forma no país para haver uma apuração independente, pelo Legislativo.

Você consegue imaginar o que esse Appio está sofrendo? Imaginou a mensagem que esse afastamento dá para os outros juízes? Se você vier para 13ª Vara e mexer nisso aqui, você vai se ferrar. É a mensagem clara. Ninguém que for agir lá terá independência. Irá para lá para abafar.

Ou participa da Operação Abafa, ou você é excluído da sua carreira! Arrebentam com sua vida profissional sem direito de defesa!

Essa é a mensagem.

Está claro. O problema não é o Appio. O problema é o Judiciário. Tá clara a mensagem e para eles tanto faz se for uma juíza como a Gabriela [Hardt] ou outros. Ela está trazendo muita luz aos fatos. Tira ela e coloca outro. 

Os juízes sabem. Como na época das delações, se você mentisse e envolvesse o Lula, você estava feito. Se envolvesse o PT, você conseguia o benefício da delação. Não era necessário falar isso. 

Eu atuei muito perto disso. Atendi empresas e sei o que aconteceu com elas. Conheço aquele período. Era assim e não precisava falar. Sabíamos que se envolvesse Lula ou o PT, o executivo estava isento de pena.

Todo juiz sabe que se mexer nos casos da 13ª Vara, vai acontecer o que aconteceu com o Appio.

Isso precisa ser falado de forma clara para o país.

Ambiente contaminado

É necessário chamar para alguma estrutura já presente, como uma CPI, que tem pouco tempo, ou o CNJ poderia ter um grupo para apurar os crimes da Lava Jato. Uma instância que não seja Curitiba. Não o Rio Grande do Sul. Esse ambiente está contaminado.

O STF tem dado demonstrações de agir nesse sentido. Alguns casos ele avocou para si. O Toffoli avocou corretamente o caso Tacla Duran. E tem o caso Tony Garcia. Mas esses nem são, para mim, os casos mais relevantes.

É gente complicada que está fazendo essas denúncias. Precisamos ir com calma.

O CNJ também tem competência para apurar essas coisas. Deveria chamar os casos para ele. Talvez faça isso agora.

Vamos aguardar a decisão do corregedor. 

A situação de Eduardo Appio

A Lava Jato está tão incomodada que tirou um juiz da carreira num país em que a Constituição diz que esse cargo é inamovível. Enfrentaram a Constituição nesse ponto. Eu tenho uma preocupação como cidadão e estou preocupado com o meu cliente. 

Ele tem uma vida para tocar, pensão para pagar. E é um jurista ultra qualificado. Extremamente qualificado no plano técnico. Dialoguei agora com ele e não o conhecia.

É um sujeito que deveria tocar a carreira dele e ascender profissionalmente. Se vão destruir a vida dele desse jeito, coloquem ele em outra Vara, uma Previdenciária, por exemplo.

É uma coisa muito radical. Tiraram ele da carreira de juiz. Sem processo administrativo e sem direito de defesa. 

Fizeram isso num país em que juiz se corrompe abertamente e nada acontece. 

O ideal seria que o CNJ avocasse o caso. Que o CNJ julgasse o caso de Appio. O TRF-4 não tem imparcialidade para julgar o caso. 

O primeiro pedido que a defesa de Appio fez foi atendido, que foi a correição extraordinária dos casos. Estamos aguardando a decisão do corregedor nos outros casos. 

Teremos uma decisão nos próximos dias. Se o Appio não for reconduzido ao cargo, vamos recorrer e vamos ao Supremo, com as medidas que acharmos necessárias.

É uma situação trágica. Tem uma dimensão de que houve uma grave ofensa à independência da magistratura nessa conduta do TRF-4. E há uma dimensão humana, que eu nunca deixo de abordar no caso. Uma vida foi destruída nesse processo. 

“Dinheiro foi para os EUA sem passar pela Petrobras ou a União”

Vou falar dois fatos que vão te deixar estarrecido. Um determinado fato aconteceu com uma empresa, um acordo de leniência mandando parte do dinheiro para os Estados Unidos. Um dinheiro que seria para indenizar o patrimônio da União e da Petrobras.

Esse acordo que mandou dinheiro aos EUA foi feito sem assinatura da União ou da Petrobras. 

Um outro acordo feito por outra determinada empresa tinha o dinheiro destinado para a tal “Fundação Lava Jato”, que depois não foi constituída. Não foi dinheiro para o patrimônio público ou para o erário público. 

Esse assunto dos acordos de leniência é um cipoal imenso, com coisas de estarrecer que eu ainda não posso detalhar mas eu vou detalhar no momento certo.

Cipoal dos acordos de leniência envolve advogados, promotores, juízes, desembargadores, políticos e a mídia. A mídia saiu divulgando tudo sem questionar. 

O dinheiro para a “Fundação Lava Jato” foi comemorado pela mídia. Ninguém questionou. Não era corrupção na Petrobras? O dinheiro não deveria voltar para a Petrobras?

Coincidentemente ou não, dois agentes da Lava Jato depois foram candidatos a deputado e a senador. Campanha precisa de dinheiro, né? Não quero falar nada além disso.

A “Fundação Lava Jato” não se constituiu, mas o caso é tão sério que aparecia em documentos. Mandam uma parte do dinheiro aos Estados Unidos sem a União assinar o acordo, sem a Petrobras assinar. Isso é desvio de dinheiro público. 

Isso é a rama. Tem coisa muito mais pesada. Não é à toa que afastaram o Appio do cargo. Não se deixem enganar! Não é à toa que afastaram um juiz às pressas sem direito de defesa, sem processo administrativo. Eles sabem que é frágil fazer isso. Precisava ser rápido o afastamento do Appio. 

Precisava ser um afastamento a toque de caixa. Appio estava mexendo num tópico muito sensível.

Há um fato. Existem acordos assinados sem anuência da União e da Petrobras que destinou uma parte do dinheiro público para os Estados Unidos da América. Veja onde Moro foi trabalhar quando saiu da magistratura. Veja o site daquela empresa [Alvarez e Marsal] e o currículo dos donos daquela empresa. Todos ligados ao Estado americano.

Não estou querendo dizer aqui que é a relação é direta, mas é estranha. Fora a imprensa alternativa, dentro da imprensa oficial quem investigou isso foi só o Le Monde, que fala em “Operação Pontes”. Uma procurador do DoJ, Departamento de Justiça norte-americano, foi colocada para tratar com juízes e procuradores sem passar pelo Ministério da Justiça do Brasil. Levá-los aos Estados Unidos.

Fizeram uma aproximação com gente da PF, do Ministério Público e do Judiciário. Não posso dizer que houve comprometimento das investigações da Lava Jato com esses interesses internacionais, mas há suspeitas graves. Reconheceu-se uma pretensão americana de ser uma entidade de Justiça internacional, no mundo das relações em dólar, deles terem direito a uma parte das indenizações.

Existem progressistas que tentam duvidar do Appio. Parem com isso. Não é por ai. Tô preocupado com o meu cliente. Quero esse homem de volta para a magistratura. Quero ver ele com a vida reconstruída. Meu interesse ético é esse. Mas existem interesses ai que o pessoal deveria colocar o olho. 

“Não devemos ficar alimentando teorias da conspiração”

Quando eu era jovem, ouvia em interferência americana no golpe de 64 e acreditava politicamente que sim. Há interesses estratégicos ai e se lixam para democracia de outros países. Quando falavam em intervenção direta e dinheiro americano, falava que era tudo teoria da conspiração da esquerda.

Quando liberaram os documentos do Departamento de Estado, está lá. Deram dinheiro para general dar o golpe. Está lá escrito nos documentos do próprio Departamento de Estado norte-americano. 

Não duvido de nada, mas não devemos ficar alimentando teorias da conspiração. Temos que investigar e saber. Eu tendo a achar que essas coisas não são tão planejadas. 

Houve alguma interferência direta nessa “Operação Pontes”. Existiu. Está apurado pelo Le Monde. Houve comprometimento na época. Está apurado e existiu. Isso não significa uma relação de dominação, mas uma aproximação entre agentes americanos e autoridades brasileiras. 

O ex-juiz Moro trabalhar em uma empresa com pessoas ligadas ao Departamento de Estado americano não quer dizer nada em si. Precisamos investigar.

Eles queriam impedir as tendências de centro-esquerda porque essa ideologia tende a favorecer a independência e a soberania de países da América Latina. E eles acham que aqui é o quintal. E o Brasil foi estruturante nessa soberania. Infraestrutura é estratégico. O Brasil chegou a oferecer engenharia de altíssima qualidade para países da América Latina, sem depender da engenharia europeia e norte-americana.

A esquerda precisa não mergulhar em teorias da conspiração. Ainda não temos provas de uma intervenção direta. Mas temos indícios suficientes para investigar. E falar sobre isso é o tema mais delicado quando abordamos Lava Jato. Não é Tacla Duran e nem outros temas, mas esse. Isso não pode ser mexido para essa gente.

Veja a entrevista na íntegra.

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