Uma polícia mais humana, como pediu um cineasta a Alckmin, é possível?

Atualizado em 10 de novembro de 2014 às 15:46
cristiano brulan
Burlan

 

O pedido feito pelo cineasta Cristiano Burlan (de “Mataram meu irmão”) ao governador Geraldo Alckmin será cada vez mais recorrente. Burlan rogou por uma “polícia mais humana” durante premiação na última segunda-feira (24). Testemunhas dizem que Alckmin, presente na plateia, não esboçou reação. Seria bom saber que autoridades demonstram algum respeito com a opinião pública em vez de fazer cara de “será que vai chover?”.

Uma das questões mais debatidas nos dias atuais, a desmilitarização da polícia tem atraído atenção de muitos segmentos da sociedade civil e a pressão está aumentando. Alckmin pode fazer de conta que não é com ele até porque seus dias podem estar contados. Mas o próximo a se sentar na cadeira mais alta do palácio deveria estar atento a mais essa demanda “das ruas”.

A pauta veio à tona sobretudo com a superexposição dos métodos utilizados contra manifestantes durante os protestos frequentes desde junho do ano passado. Os movimentos sociais de periferia que já sabem o que é isso há décadas, só estão acrescentando fermento e conteúdo. E, diga-se, com a dignidade de não criar uma nova picuinha do gênero “desde sempre nós vivenciamos isso, acordaram só agora porque?”

Na noite dessa terça-feira (25), cerca de 200 pessoas estavam apinhadas no auditório de um teatro ao lado da praça Roosevelt para debater mais uma vez o tema. Convocado pelo coletivo “Por que o senhor atirou em mim”, lideranças sociais, rappers, artistas e cidadãos discutiram a necessidade urgente da solicitação de Burlan feita ao governador. Ao final, foi lançada uma petição pública intitulada “Porque [sic], num Estado Democrático, manifestar-se é um direito!”.

O documentário de Cristiano Burlan tem gerado uma “reflexão muito forte sobre um tema que parece banal hoje em dia. Se tornou muito comum observar pela TV pessoas sendo mortas com armas de policiais na periferia por uma polícia militar com liberdade pra matar”, afirmou em entrevista.

O desejo externado por Burlan é mais adequado em termos de definição do que exatamente o “desmilitarize já” ou o “eu quero o fim da polícia militar” cantado nas ruas. O que se quer é uma policia mais humana, seja ela militar ou não. Desmilitarizar por desmilitarizar pode não resolver absolutamente nada e terá apenas atendido a solicitação ao pé da letra.

Esther Solano, socióloga e professora de Relações Internacionais na USP, acha que deve-se tomar cuidado com os mantras. “Virou fetiche. Sou meio desconfiada com os mantras sociais. Porque às vezes são termos vagos, que poucos conhecem o significado ou o conteúdo. Cria-se um estigma no qual todo mundo vai atrás, pensando que será resolvido a partir daí mas desprezam um diálogo intenso, uma argumentação sólida por trás. Eu tenho desconfiança se a tal desmilitarizacao vai de fato acabar com os problemas da polícia brasileira. O problema não é só da polícia, é um problema da sociedade brasileira. Alguém como o coronel Telhada, por exemplo, não representa apenas a si mesmo. Ele foi eleito deputado, representa boa parte da forma de pensar da sociedade. Talvez a pergunta seja: qual é o seu padrão de sociabilidade com a violência? A desmilitarização não vai acabar com a letalidade nem com a vitimização da policia, porque os problemas estão nos nossos padrões de sociabilidade. Esse debate está com um outro problema muito grave que é a ausência dos protagonistas, a falta de voz dos próprios policiais. Porque a polícia sempre foi muito fechada, estão isolados, embora estejam buscando se abrir. Estão levando professores e pesquisadores para conversar com os soldados sobre isso. Isso é um papel da universidade, que também anda ausente”, declarou a socióloga.

Ninguém aqui nasceu ontem para saber da impossibilidade de se recomeçar do zero. Mas trocar o pneu com o carro em movimento, embora complicado, é algo até comum. Empresas que trocam de mãos fazem isso constantemente, não é preciso parar a rotação do planeta. Basta força de vontade e sintonia com o “consumidor”. O serviço que as polícias entregam hoje não atende às exigências do mundo atual. Seu comportamento medieval, brutal e absurdo ao ver os cidadãos como “forças oponentes”, precisa ser revisto. Passou da hora.

Foi a polícia quem instaurou essa guerra na qual vivemos. Ela tem o dever de ajudar a restabelecer a paz.