Vale a pena gastar saliva com fãs de Bolsonaro? Depende. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 11 de outubro de 2018 às 9:42
Jair Bolsonaro (Nelson Almeida/AFP)

O sentimento de consternação que os 46% de votos válidos em um fascista para a Presidência do Brasil me deixou – e deixou, creio, a muitos órfãos como eu – se mistura a uma espécie de ira que por vezes me faz perder a vontade de argumentar.

A burrice e a desonestidade do eleitor de Bolsonaro só me despertam desprezo e asco, e a vontade de engatar uma argumentação sadia se vai no primeiro “por Deus e pela família!!!”

No dia das eleições, por exemplo, um conhecido confessou-se eleitor de Bolsonaro nos comentários de um post meu. Um cara cujos maiores problemas são a desinformação e o efeito manada, que não é propriamente um fascista. Um cara com quem decerto valeria a pena engatar uma argumentação sadia, mas eu não tenho sangue de barata: bradei em caps lock em termos +18 e bloqueei (bloqueando porque dar voadora ainda é crime).

Pronto, ele nunca mais verá minhas postagens anti-bolsonaristas e eu não terei a chance de apelar ao resquício de bom-senso que talvez lhe reste. A sensação foi de ter perdido uma alma para o fascismo.

Eu sei que é difícil. Eu sei que a única vontade de qualquer antifascista diante de um eleitor de Bolsonaro é enviá-lo direto pra a Gulag – cortar cana acima de tudo! -, mas, no momento, ninguém pode se dar a esse luxo.

A hora é de mudar o tom.

O diálogo com fascistas pode parecer impossível – e olha que Marcia Tiburi já tentou nos ensinar -, e talvez seja mesmo para os pobres mortais, mas não quero crer que 47% dos eleitores brasileiros sejam fascistóides doentes e burros. É mais crível que, em vez disso, alguma parte dessa porcentagem (uma parte importante que pode salvar o país do autoritarismo) seja composta por pessoas desinformadas sobre a ditadura militar, amedrontadas pela violência urbana, manipuladas por um antipetismo doentio ou tudo isso junto.

E é com essas pessoas que precisamos, mais do que nunca, dialogar: sem arrogância, sem autoritarismo, sem pressão. Apenas apontando os fatos, porque os fatos são suficientes para fazer com que qualquer pessoa com o mínimo de bom-senso repense seu voto em um saudosista do Regime Militar que não sabe sequer o nome do próprio vice, e responde a jornalistas com um “não entendi isso aí que você falou, mas isso não existe” (???) [na última entrevista ao Jornal Nacional, quando perguntado sobre o fato de seu vice ter dito que a Constituição Cidadã foi um erro].

A ordem é não deixar que nosso medo e nossa revolta deturpem nossos argumentos, porque a informação é a nossa principal arma.

Até o argumento de que o candidato em questão é fascista, racista, misógino e homofóbico vem perdendo sua força conforme os dias ficam mais sombrios, porque seus eleitores perdem mais e mais a vergonha de serem fascistas, racistas, misóginos e homofóbicos como o candidato que lhes representa.  E é desse jeito que ninguém liga. Há quem pense que é exagero chama-lo de fascista, há quem pense que o fascismo não atinge o “cidadão de bem”, há quem nem saiba o que é fascismo… certamente só serão capazes de crer no real perigo de um filhote da ditadura na presidência quando estiverem levando choque na língua.

É preciso mudar o disco. As pessoas que votam por ódio não se importam se seu candidato xinga e violenta mulheres, se diz que seria incapaz de amar um filho homossexual, se ele se autoproclama defensor da tortura. É preciso concentrar-se no que realmente pode fazer com que os eleitores menos convictos de Bolsonaro ponham a mão na consciência: apontar a covardia do candidato que foge dos debates com o velho truque do atestado médico, que é tão despreparado que se faz representar por um guru futuro Ministro da Fazenda, de cujas propostas sequer tem conhecimento porque não se importa o suficiente para tanto.

A essa altura, até a estratégia de desfazer a imagem de macho corajoso e destemido que se constrói acerca de Jair Bolsonaro me parece admissível, embora fira meu feminismo no ego – desculpe, ancestrais, é literalmente caso de vida ou morte. Esse argumento nos obriga a compactuar com a realidade que queremos evitar: a imagem de macho tóxico ainda rende muita confiança e muitos votos.

Já que “defender tortura não é legal” não é um argumento suficiente para muitos dos eleitores de Bolsonaro, é preciso apelar: retirar dele a máscara de “mito” e mostra-lo como realmente é: um fraco, politicamente e humanamente; um político incompetente e um homem público com pouca ou nenhuma diplomacia; um machão acusado por Rita Lee de tê-la trocado por outro machão; um sádico que constrói todo o seu discurso sobre uma selva de insanidades.

Em todo caso, tem gente que vale a saliva, e tem gente que só vale uma revirada de olhos, mesmo. Convém medir bem antes de argumentar.

“Não fale com paredes.”