
As principais tragédias ambientais do Brasil na última década voltaram ao centro do debate climático, mas desta vez ganhou outra forma. Envolvida nos rompimentos das barragens de Brumadinho e Mariana, a mineradora Vale é a principal patrocinadora da cobertura da imprensa brasileira sobre a COP30, que começou na última segunda-feira (10), em Belém (PA).
Um levantamento do site Intercept Brasil revelou que a Vale financia reportagens e transmissões em oito grandes veículos de comunicação, entre eles Folha de S.Paulo, O Globo, Valor Econômico, Veja, CBN, O Liberal, Neofeed e Brazil Journal. As parcerias ocorrem no momento em que o Brasil busca se afirmar como protagonista global na transição energética e na preservação ambiental, justamente setores mais afetados pela atuação da mineradora.
A Vale, porém, não está sozinha. O estudo aponta que outras empresas com histórico de danos socioambientais estão patrocinando a cobertura jornalística da conferência da ONU sobre o clima.
A JBS, maior produtora de proteína animal do mundo e campeã em emissões de gases de efeito estufa, financia sete veículos, entre eles Estadão, Folha, O Globo, Valor, Veja e CBN.
O levantamento mostra também que a Hydro, multinacional norueguesa do setor de alumínio condenada a pagar R$ 100 milhões por um desastre ambiental em Barcarena (PA), e a Suzano, gigante da celulose acusada de violações contra comunidades quilombolas, patrocinam quatro veículos cada. A Hydro apoia CNN Brasil, Exame, Estadão e O Liberal. Já a Suzano financia O Globo, Valor Econômico, CBN e UOL Capital Reset.

Entre outras patrocinadoras estão a Ambipar, que responde a denúncias de impedir pescadores de trabalhar em terras públicas no Maranhão, e a Philip Morris Brasil, do setor de tabaco, já citada em investigações sobre impactos ambientais em propriedades rurais.
Ao Intercept, a Philip Morris afirmou que “não interfere em conteúdo jornalístico” e que “seus contratos são devidamente sinalizados”.
Segundo o levantamento, ao todo 59 entidades públicas e privadas, incluindo bancos, mineradoras, frigoríficos e farmacêuticas, patrocinam a cobertura da COP30 no Brasil. A pesquisa considerou dados do Reuters Digital News Report 2025 e buscas manuais em sites e redes sociais com termos como “patrocínio”, “cobertura” e “apoio COP30”.
Para especialistas ouvidos pelo Intercept, os patrocínios levantam alertas sobre possíveis conflitos de interesse entre empresas poluidoras e o jornalismo ambiental. “Não existe patrocínio neutro. Nenhuma organização dará dinheiro, apoio ou seu nome a outra organização ou evento, a menos que veja um benefício para si mesma”, afirmou a professora Melissa Aronczyk, da Rutgers University, uma das principais pesquisadoras sobre influência corporativa na mídia.
Aronczyk lembrou que a prática tem origem histórica: “Em 1992, na Rio-92, líderes empresariais e lobistas já buscavam garantir que a voz das corporações fosse representada nas cúpulas do clima. Desde então, isso só piorou. São mais de 30 anos de cooptação das conferências da ONU sobre o clima”.
A pesquisadora explicou que, nas décadas de 1970 e 1980, empresas de petróleo e carvão financiaram campanhas para negar as mudanças climáticas. “Hoje, o objetivo é diferente: atrasar as soluções, suavizar o discurso e moldar a cobertura midiática”, analisou.
Para Deborah Salles, coordenadora do Netlab (UFRJ), o patrocínio de empresas envolvidas em polêmicas ambientais levanta dúvidas sobre a independência da imprensa.
“A ideia de jornalismo patrocinado é, em si, algo problemático. Esses financiamentos servem para conter o senso crítico e proteger os interesses dessas companhias no momento em que metas e acordos estão sendo discutidos”, afirmou.
A COP30, sediada na Amazônia, deveria ser um símbolo de responsabilidade climática e transparência. No entanto, o financiamento de empresas com histórico de desastres ambientais reacende o debate sobre o papel do jornalismo diante de poderosos patrocinadores — e sobre os limites entre cobertura informativa e comunicação corporativa.