“Vamos buscar justiça”, diz parente da brasileira que morreu na Bolívia à espera do Itamaraty. Por Caique Lima

Atualizado em 7 de abril de 2020 às 12:59
“Hoje senti na pele a importância do Estado na minha vida e da minha família”, conta sobrinha de Fabia Sarmento Cordeiro. Foto: Reprodução/Facebook

Por Caique Lima

Mais de 500 brasileiros foram repatriados da Bolívia pelo Ministério das Relações Exteriores, mas Fabia Cordeiro (49) não.

A professora de matemática de Manacapuru (município da região metropolitana de Manaus, Amazonas) morreu à espera de socorro do Itamaraty, que prometeu fazer o possível para trazê-la de volta.

Fabia morreu, após duas paradas cardíacas, mesmo com inúmeros apelos da família ao Itamaraty e ao Consulado Brasileiro em Cochabamba.

Dia 11/02 Fabia Cordeiro embarcou à Bolívia, com o sobrinho, para ajudar a cuidar do filho dele por dois meses.

Ele e a esposa são estudantes de Medicina e estavam prestes a finalizar o curso na Bolívia.

Dia 24/03 Após dias se queixando de dores de cabeça, passou mal e foi socorrida pelo sobrinho. “Ela estava caída no chão, pedindo ajuda e dura, toda dura, como se tivesse tendo uma convulsão”, conta familiar.

Por residirem num edifício onde moram diversos estudantes e formados em Medicina, o sobrinho e a esposa optaram por pedir auxílio a uma amiga, que já havia concluído o curso.

Foi recomendado que Fabia fosse levada com urgência ao médico.

Dia 25/03 Um exame acusou uma massa cerebral, possível tumor, que poderia crescer e se agravar. Isso exigia que Fabia fosse trazida ao Brasil o mais rápido possível, numa UTI móvel, para chegar com vida e receber tratamento.

Além disso, a família não teria dinheiro para arcar com as despesas médicas de Fabia no país e, por isso, tentava arrecadar fundos por meio de vaquinhas online para tratar dela enquanto estivesse na Bolívia e pudesse trazê-la de volta de forma segura e com vida.

Dia 26/03 A fronteira do Brasil com a Bolívia em Corumbá (MS) foi fechada por completo.

Desesperada, a família entrou em contato com o Itamaraty em Cochabamba e La Paz, que prometeram trazê-la “o mais rápido possível”.

Enquanto o Itamaraty jogava a responsabilidade de resolver os trâmites burocráticos com o governo boliviano para os consulados e eles de volta para o Itamaraty, Fabia era medicada em casa e a família arrecadava dinheiro para trazê-la de volta num voo fretado.

Conversa de WhatsApp da família com o Itamaraty. Foto: Arquivo pessoal

A promessa do órgão não foi cumprida e, enquanto isso, ela recebia um tratamento improvisado em casa:

 

Dia 31/03 Uma das possíveis consequências do tumor cerebral é trombose.

Com Fabia não foi diferente, ela desenvolveu um coágulo sanguíneo nos membros inferiores, “num estado cadavérico”, segundo familiar. Ela teve de amputar as duas pernas em virtude disso.

Enquanto isso, o Itamaraty organizava uma possível repatriação no primeiro dia de Abril, mas não foi possível para a brasileira.

Dia 01/04 Fabia faleceu após duas paradas cardíacas. Seu corpo foi cremado e seu sobrinho aguarda a repatriação para trazer as cinzas de volta para a família. 

“O Itamaraty, na pessoa da funcionária Gabriela, transmite os pêsames à família”, foi a única mensagem enviada pelo Itamaraty à família após a morte de Fabia.

Junto dos pêsames, o órgão afirmou:

“[Os funcionários] disseram que foram avisados no momento da morte da Sra. Fabia e que estão em contato direto com a cônsul Andrea Watson e ela vai fazer o possível para intermediar o traslado na melhor maneira”.

Mas somente na data de publicação desta reportagem (07/04) o sobrinho que acompanhava Fabia embarcou de volta ao Brasil.

“A morte da nossa tia não vai ficar barata”, diz Joyce Sarmento, sobrinha que morava junto de Fabia e falou ao DCM.

Ela conta que a família contatou o Itamaraty logo após o primeiro exame da tia, pedindo auxílio para trazê-la de volta, mas o órgão em nada ajudou:

“Se a gente não indicasse, eles não respondiam e só diziam que estavam tomando providências, mas não diziam quais e a que pé andava. Passavam dias sem responder e, conforme o tempo passava, mais a gente se desesperava”.

A família conseguiu arrecadar dinheiro para fretar um avião e pressionou o Itamaraty para agilizar a vinda de Fabia com o governo boliviano.

“Estamos todos devastados e todos os poderes públicos que detêm a possibilidade de fazer algo estão empenhados em salvar seus mandatos e seus poderes, e nós brasileiros temos que comer as migalhas que nos jogam”.

Ela afirma que irá à Justiça “contra a União, contra quem for”.