De Van Gogh às bicicletas: a beleza única de Amsterdã

Atualizado em 11 de fevereiro de 2013 às 16:44

A cidade é uma festa móvel.

De Amsterdã:
Noite Estrelada, de Van Gogh
Noite Estrelada, de Van Gogh

Ir ao Museu Van Gogh não é apenas um dos melhores programas de Amsterdã. É um dos melhores programas do mundo. E também um dos mais baratos. São 14 euros, ou 52 reais, o preço de um spaghetti à bolonhesa num restaurante médio de Amsterdã, ou metade do passe de um dia para usar o tram, o bonde azul e branco. Menor de 18 anos não paga.

Se há um problema, é que você não quer sair de lá.

São mais de duzentas obras de Van Gogh, muito bem dispostas e organizadas. Você segue a linha do tempo da vida (curta) e obra (extensa) de Van Gogh. Cada lugar pelo qual passou, com textos introdutórios nas paredes, e quadros representativos de todos eles, explicados. É aflitivo chegar a 1890, quando aos 37 anos, convencido de que seria para sempre um fracasso e perturbado por uma temporada num asilo psiquiátrico, Van Gogh atirou contra o peito. Foi morrer quatro dias depois, nos braços do irmão Theo, mais moço e mais assentado. Theo morreria seis meses depois, e foi sua viúva quem lutou pela memória do cunhado Vincent. Os irmãos, cuja correspondência foi vital para que se conhecesse a trajetória de Van Gogh, estão enterrados lado a lado.

Embora sua obra começasse a despertar interesse nos iniciados, Van Gogh morreu sem ter vendido um só quadro. Você sente vontade de diminuir o ritmo ao se aproximar de 1890. No trajeto, pode ter a tentação de levar um Van Gogh para casa.

Auto retrato
Auto retrato

Pena que você não possa fotografar. Muitos museus europeus já não permitem fotos por motivos de segurança. Os de Londres, por exemplo. Levei uma bronca de um mal-humorado vigilante da National Gallery de Londres ao fazer uma foto de um grupo de crianças com uma professora diante de um Turner, o maior pintor inglês. Achei bonita a imagem. Tive que deletar a foto. “Você sabia que pelas leis daqui você pode ser preso se fotografar crianças sem consentimento dos pais?”, ele me disse. “Ora!”, respondi irritado. “Está reclamando das leis de meu país?”, ele disse. “Não, estou me queixando de você. De sua grosseria.” Fotografar, me disse depois um outro segurança, teoricamente facilita a vida de terroristas ou de ladrões. O Louvre parece não pensar assim, felizmente.

AMSTERDÃ é um paraíso ciclístico. A única cidade do mundo capaz de competir com Amsterdã no tratamento principesco oferecido aos ciclistas é Copenhague. O ciclista tem espaço, tem respeito dos motoristas de carro, tem segurança — e tem ruas planas, bem cuidadas e seguras para se locomover.

Amsterdã é, também, o local ideal para quem quer aprender a falar Van Gogh do jeito certo, como os holandeses. Vou avisando. É duro. Ván Rôrr. Você torce a lingua para produzir o som certo com resultados discutíveis. Há um vídeo no YouTube de um Mister Pronunciation que explica, ou tenta, como dizer Van Gogh. Você ri e quase sempre acaba chegando à conclusão de que é melhor seguir com o capenga Van Gógui consagrado no Brasil. Você vai parecer pedante se adotar a pronúncia holandesa e dificilmente acertará.  Podem, também, confundir o som com um escarro.

A cidade parece feita para os ciclistas
A cidade parece feita para os ciclistas

Van Gogh é uma inspiração em muitos sentidos. Começou tarde e sem convicção, e quem se sente aflito com as dúvidas sobre o caminho deveria se lembrar do grande holandês. Não se fixara em nada até, aos 27 anos, arriscar a pintura. Recusou o aprendizado acadêmico e foi abrindo caminho desesperadamente com suas cores fortes e pinceladas frenéticas.

Ha aí o exemplo da força de vontade, da determinação.

Van Gogh também é uma referência em saber onde ir para aprender. Foi em Paris que ele se sofisticou como artista, sob o estímulo e emulação de grandes mestres impressionistas, como Gauguin e Toulouse Lautrec.  “O ar de Paris clareia as idéias”, disse Van Gogh. As pessoas de Paris achavam “feio” o que Van Gogh fazia quando chegou à cidade, segundo ele próprio. Essa constatação, ou impressão, o levou a se aplicar loucamente para progredir.

Teorias conspiratórias recentes sugerem que Van Gogh não cortou a própria orelha e sim Gauguin numa disputa em torno de uma mulher na época em que ambos dividiam uma casa no sul da França, primeiro em total harmonia, e depois sob desavenças de caráter artístico. “Vincent e eu concordamos em muito poucas coisas, especialmente sobre retratos”, disse Gauguin, para imensa mágoa de Van Gogh. Foi lançado na França em 2009 um livro com a tese da navalhada de Gauguin sob intensa cobertura da midia, mas quem acredita nisso, como escreveu o Duque de Wellington, acredita em tudo.

Van Gogh é finalmente uma referência às avessas quando perde a paciência de esperar o reconhecimento, moído por uma autocrítica devastadora que o fazia se enxergar muito pior do que era. Foi um erro fatal. Você não deve ser juiz severo de ninguém, inclusive de si próprio. Em julho de 1890, Van Gogh comprou uma arma dizendo que era para matar corvos, enfiou-se num dos campos que retratou majestosamente e se deu um tiro.

Alguma complacência — não excessiva, mas a dose justa — é necessária quando nos autoavaliamos, ou é muito difícil seguir adiante, como mostrou em seu martírio Vincent Van Gogh.