Venceu a impunidade: como o caso de Temer no Porto de Santos foi arquivado. Por Marcelo Auler

Atualizado em 23 de dezembro de 2017 às 9:24
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Esta reportagem faz parte da série sobre o envolvimento de Michel Temer nos escândalos do Porto de Santos e do Aeroporto de Guarulhos. É resultado da campanha de crowdfunding do DCM, já encerrada.

Venceu a impunidade. Como sempre. Em especial por não envolver nenhum petista no caso. A investigação criminal sobre as supostas propinas pagas, nos anos 90, a Marcelo de Azeredo, o ex-presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP) e ao seu padrinho político, o então presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, vai para o arquivo. Eles venceram por WO.

Temer, por sinal, já se livrara de ser investigado por duas vezes. Em 2001, o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, mandou arquivar as denúncias da ex-companheira de Azeredo, Érika Santos, que envolviam o então deputado federal. Dez anos depois, foi a vez de o procurador-geral Roberto Gurgel tomar atitude idêntica, quando a Polícia Federal pediu autorização para uma investigação mais invasiva.

Queriam fazer escutas telefônicas e quebras de sigilo bancário e fiscal. Pelo possível envolvimento do deputado, solicitaram autorização ao Supremo Tribunal Federal (STF), Mas, a Procuradoria Geral da República (PGR) foi contra. Com isso, nem mesmo a variação patrimonial de Temer – que cresceu vertiginosamente quando ele abraçou a vida política – foi submetida a qualquer fiscalização.

Já no caso de Azeredo foram abertas duas investigações criminais. No Inquérito Policial 20.352/2004, da Delegacia de Prevenção e Repressão a Crimes Fazendários (DELEFAZ) da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal em São Paulo (SR/DPF/SP) investigava-se a lavagem de dinheiro.

Ao mesmo foi anexado o inquérito 104/2006, da Delegacia de Santos, que apurava os crimes de corrupção e fraudes nas licitações da CODESP. Ambos foram remetidos, por volta de 2008, ao Supremo. De lá só retornaram em 2011. Ao analisarem nestes primeiros dias de agosto todo o caso, a procuradora da República Karan Louise Jeanette Kahn e sua equipe constataram o óbvio: os possíveis crimes estão prescritos. Restaria apenas a lavagem de dinheiro, que pode ser considerado crime permanente. Mas,decorrido tanto tempo, não haveria como confirmá-la.

Não era para menos. Se a investigação já acumula 12 anos de idas e vindas entre a SR/DPF/SP, a Procuradoria da República em São Paulo (PR-SP) e a 2ª Vara Federal Criminal, a Procuradoria Geral da República (PGR) e o STF, o caso em si, isto é, os supostos crimes cometidos – corrupção, fraude em licitação e lavagem de dinheiro – são ainda mais antigos, Datam do período em que, indicado por Temer, Azeredo presidiu a CODESP: junho de 1995 e maio de 1998. A revelação deles, porém, só surgiu no ano 2000.

A paralisação da investigação teve início em Santos. Em 2007, ao assumir o caso instaurado um anos antes, o delegado Cássio Nogueira notou que pouco tinha sido feito. Depois, ela se repetiu no STF, como os assessores do ministro Marco Aurélio admitiram. Eles reconheceram que “a demora na adoção do procedimento padrão (encaminhar a Procuradoria da República) deve-se tão somente ao fato de os autos terem permanecido entre outros processos e procedimentos criminais que dependiam de marcação e análise das peças processuais para encaminhamento à residência de Vossa Excelência. Em razão do equívoco, apresento essas informações”. Encaminhado ao Supremo por volta de 2008, o inquérito só foi despachado de volta a São Paulo em meados de 2011.

Paralelamente, na 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, outra ação analisava a sonegação fiscal tanto de Azeredo como de sua irmã, Carla. Como o DCM mostrou na reportagem Afilhado de Temer no Porto de Santos foi pego pela Receita; PGR poupou padrinho, os dois foram autuados em aproximadamente R$ 1 milhão, recolheram os impostos e multas cobrados pela Receita Federal e com isso livraram-se do processo judicial, tal como prevê a legislação.

As acusações contra Azeredo, Temer e Lima, um suposto sócio do então deputado e hoje interino, surgiram na Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável movida pela então estudante de psicologia, Érika Santos. Foi logo após ela separar-se de Azeredo por ele a agredir três vezes.

Nessa ação, ajuizada na 3ª Vara de Família de São Paulo, foram juntados documentos que, segundo disse aos advogados Martinico Izidoro Livovschi e seu filho Sérgio, retirou do computador do próprio Azeredo. São centenas de papéis sobre os quais foi decretado segredo de Justiça, por conterem dados fiscais e bancários do ex-presidente da CODESP e da empresa em si.

Erika Santos, que denunciou a caixinha no Porto de Santos em 2 000
Erika Santos, que denunciou a caixinha no Porto de Santos em 2 000

 

O segredo de justiça, porém, foi limitado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, aos dados fiscais e bancários. Com isso, DCM teve acesso, com exclusividade, aos depoimentos prestados ao delegado federal Ricardo Atila Barbosa, por Azeredo, seu pai Ronaldo, sua irmã Carla (todos em agosto de 2004) e Érika (outubro do mesmo ano).

Azeredo e Érika negaram as denúncias. Ela, após a revista Veja, em março de 2001, noticiar suas acusações na Vara de Família, tratou de destituir os advogados Livovschi e, através de um novo patrono, José Manuel Paredes, desistiu da ação. À época comentou-se que os ex-companheiros acertaram-se financeiramente, em um acordo extrajudicial.

No inquérito, os únicos a confirmarem que Érika realmente acusou Azeredo, Temer e Lima de se beneficiarem das propinas, foram os advogados Livovschi, Diante da contradição deles com a ex-cliente, o delegado chegou a questionar os três sobre uma possível acareação. Todos aceitaram, mas não existe registros de que ela tenha ocorrido. Perdeu-se nova oportunidade de esclarecer os fatos.

Mas as contradições não existiram apenas entre Érika e seus ex-advogados. Ela e Azeredo também conflitaram nas informações ao delegado. A começar pelo tempo de relacionamento e até o período em que dividiram o mesmo teto. Segundo ele, a relação durou um ano e meio. Ela declarou que se relacionaram entre 1997 e julho de 2000 quando, após sofrer uma terceira agressão, saiu de casa com a roupa do copo. Segundo Azeredo, teriam sido apenas dois meses residindo juntos. Já nas palavras dela, a convivência no apartamento dele, na Rua Brás Cardoso, na Vila Olímpia, foi maior: de meados de 1999 a julho de 2000.

Azeredo declarou “que não lhe repassou qualquer espécie de bem ou de pensão, até porque não lhe foi pedido”. Da ação proposta por ela na Vara de Família, teria sabido apenas pela imprensa;.

Érika não comentou nada sobre o possível acordo que os dois teriam feito. Mas ela confessa ter encaminhado aos advogados Livovschi “fotos, extratos de cartão de crédito, cópias dos cheques recebidos de Marcelo, passaporte, além de documentos comprovando a união estável e o padrão de vida do casal”. Tanto que na Vara de Família eles alegaram que Érika recebia uma “mesada de R$ 5 mil para os gastos e possuía um cartão de crédito dependente do companheiro”.

Obviamente, ao encaminhar tais documentos a um advogado para propor uma ação de reconhecimento da união estável e partilha de bens, é de se supor que ela pleitearia ajuda financeira. O que Azeredo declarou que não aconteceu. Na ação há o pedido de R$ 10 mil mensais. Na polícia, porém, o assunto não foi comentado, nem questionado.

Apesar do possível acordo que os ex-companheiros teriam feito, ela passou a trabalhar como balconista. Na polícia, informou ser vendedora na loja Vertigo, no Shopping Iguatemi. Acrescentou que atendia como psicóloga no Hospital das Clínicas.

O fundamental, porém, foram as contradições em torno da questão principal: as propinas no Porto de Santos que teriam sido repassadas a Temer. Azeredo negou “peremptoriamente o recebimento de qualquer quantia por parte de quaisquer empresas privadas, conforme informado por Érika”.

Ela, por seu lado, alegou desconhecer qualquer irregularidade cometida pelo ex-marido, o que descobriu apenas ao ver a ação na Vara de Família: “até tomar conhecimento das denúncias de crimes cometidos por Marcelo através da ação, que viu no fórum, não tinha conhecimento dos fatos supostamente delituosos imputados a Marcelo e não autorizou os advogados a fazerem essas denuncias contra seu ex-companheiro”.

Repetiu na polícia a explicação que Temer, em março de 2001, divulgou no discurso que fez na tribuna da Câmara, como noticiamos aqui na reportagem Temer ignorou pedidos da PF para se explicar no caso da propina no Porto de Santos.

Segundo disse, após se separar, “recebeu um envelope contendo diversos documentos a respeito de Marcelo de Azeredo que foram entregues em sua residência anonimamente. Não tomou conhecimento do teor dessa documentação, até porque era muito volumosa. Pretendia entrar com uma ação de reconhecimento da união estável tendo para tanto contratado os advogado Martinico Izidoro Livovschi e então encaminhou ao mesmo, além dos documentos recebidos anonimamente, as fotos, extratos de cartão de crédito, cópias dos cheques recebidos de Marcelo, passaporte”.

Ao reprisar que não tinha conhecimento de atividades ilícitas do ex-companheiro, ressaltou, porém, que “o alto padrão de vida do mesmo lhe chamasse a atenção. Sempre viajavam em primeira classe, hospedando-se em hotéis cinco estrelas, frequentando restaurantes caros”. Ou seja, desconhecia o possível crime, mas se beneficiava do resultado dele.

Marcelo de Azeredo, indicado por Temer à Codesp
Marcelo de Azeredo, indicado por Temer à Codesp

O desmentido de Érika partiu de seus dois ex-advogados. Pai e filho deixaram claro que ela nunca falou em documentos recebidos anonimamente, mas sim extraídos do computador do companheiro.

Segundo Martinico, todo o conteúdo da inicial da ação “foi narrado por Érika Santos”. Da mesma forma partiu dela “toda a documentação relativa à ação” Ele ainda explicou que “Érica enviou um fax em resposta à minuta, pedindo que fossem feitas algumas modificações”. Ele e o filho insistiram “as denúncias ali constantes foram feitas obedecendo a uma exigência de Érika que acreditava que as mesmas poderiam pressionar Marcelo a realizar um acordo rapidamente”.

Érika também mentiu na polícia ao dizer que desconhecia a existência de um carro Porsche e uma Mercedes. Os dois veículos foram citados por ela aos advogados para que fossem incluídos na ação na Vara de Família como bens que Marcelo adquiriu e colocou em nome de familiares. O Mercedes, como a Receita confirmou depois, estava em nome do pai dele. O Porsche, em nome da irmã Carla, que por não ter provado a origem do dinheiro para adquiri-lo, foi autuada e pagou multa superior a RF$ 100 mil.

Todos estes fatos mostram que Érika certamente foi pressionada após a divulgação de suas denúncias. Fica a dúvida se realmente houve um acerto financeiro. Mas, torna-se evidente que depois de tentar pressionar judicialmente Azeredo, ela recuou nas suas denúncias o fato é que ela fechou um acordo com o ex-marido e deixou de falar em Temer.

Azeredo, não chegou a negar em momento algum que tenha sido indicado pelo então presidente da Câmara para a presidência da CODESP. Disse, apenas, que a indicação ocorreu “após ser sabatinado pelo ministro dos Transportes, Odacir Klein”,

Provavelmente a sabatina pode ter ocorrido, embora haja quem diga que Azeredo nada entendia do funcionamento do porto. O que ele não deixou claro é como seu nome, ligado ao PMDB de São Paulo, foi parar na mesa de Klein, um político gaúcho. Certamente foi a indicação de Temer — com quem Azeredo admitiu apenas que mantinha uma relação meramente partidária, por ser filiado ao PMDB e ter, inclusive,concorrido a deputado estadual em 1994.

Afinal, na sua primeira reunião com a diretoria antiga da CODESP, ele deixou claro que estava ali graças ao então presidente da Câmara. “Mas se vocês falarem isto, eu nego”. Pelo jeito, continua negando até hoje.

Azeredo