Venezuela corre risco de criar sua Malvinas; “patriotismo sem sentido”, diz líder do governo ao DCM

Atualizado em 3 de dezembro de 2023 às 12:00
Deputado federal Carlos Zarattini. Foto: LUCIO BERNARDO JUNIOR/CÂMARA DOS DEPUTADOS.

Ninguém aqui tem dúvidas sobre as nefastas consequências do colonialismo – inclusive no nosso continente. E que a divisão não foi justa para todos. Mas, como diz aquele ditado, nunca houve uma guerra boa, nem uma paz ruim. A recente convocação de um referendo neste domingo (3) pelo governo da Venezuela para que a população do país diga se quer que o território de Essequibo, hoje da Guiana, seja incorporado à Venezuela, adiciona, mais que uma nova camada de juridicidade à controvérsia territorial, mas principalmente uma forte tensão diplomática e militar.

Muito ruim para o presidente Lula, e que coloca em saia justa nossa política externa engajada e de cooperação Sul-Sul. Longe da narrativa antichavista de Globonews, CNN, Fox e outras mídias, cuja pauta é exorcizar a Venezuela, o fato é que Maduro está indo longe demais. Não só porque, num continente historicamente pacífico, a guerra ronda essas fronteiras – e isso é segurança nacional. Nas últimas horas, o DCM ouviu fontes militares, parlamentares e diplomáticas. O governo Lula , simpático a Maduro, mas pragmático sobre loucuras quijotescas, acendeu o alerta máximo em suas fronteiras e colocou as Forças Armadas em prontidão.

A turma verde-oliva sabe que os militares “chavistas” não soltam fumaça pelo tanque e são bem armados, tem equipamento russo de última geração, capazes de bloquear até tráfego aéreo na região, incluindo o território brasileiro. Militares não bolsonaristas, fiéis a Lula e ao Itamaraty, chegam a dizer, em grupos privados, que se Nicolas Maduro seguir em frente na anexação do território de 160 mil km² com uma população de 125 mil pessoas, uma área maior que a da Grécia – alvo de disputa que remonta 1899 -, estará dando um tiro de bazuca no pé e pode criar uma Malvinas do chavismo – referência à Guerra das Malvinas, entre Argentina e Inglaterra, pelo arquipélago remoto do Atlântico Sul, ação militar desastrosa que ajudou a jogar para a cova a ditadura portenha.

A disputa territorial existe desde antes da independência da Guiana, mas as tensões aumentaram em 2015 com a descoberta de campos de petróleo por parte da companhia americana ExxonMobil. A área parece ser rica em petróleo, ouro, cobre e diamante. A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) vê hoje como o problema internacional mais grave do atual governo, e os EUA enviarem funcionários de alto escalão para a Guiana.

Mapa da região da Venezuela e Guiana com destaque a região de Essequibo. Foto: Reprodução

O DCM ouviu com exclusividade o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), vice-líder do governo Lula no Congresso Nacional, e membro da Comissão de Relações Exteriores, que acompanha com total atenção o assunto. “É um tremendo equívoco, na situação que está a Venezuela, hoje da parte do governo Maduro, iniciar um conflito desses.

A Venezuela, no momento que passa por cavar seu desbloqueio econômico, precisa de um lastro democrático. No momento em que ocupar uma área, que é uma grande floresta, para fazer um ato do patriotismo sem sentido, para dizer que “a terra é nossa”, não só vai perder o desbloqueio econômico, como voltar a enfrentar uma severidade muito grande, e sua normalização democrática vai por água abaixo. O Brasil tem solidariedade com a Venezuela, mas tem limites, e é isso que o presidente Lula está preocupado. Tem um setor militar em volta do Maduro muito preocupado, sabendo que a Guiana não tem condições de enfrentar o Exército venezuelano. Então podem ocupar, mas vão gerar um problema internacional grave.

O Brasil vai ficar numa situação de constrangimento”, disse o líder. Em uma reunião dos chanceleres e ministros da Defesa dos países da América do Sul, realizada em Brasília, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, defendeu uma solução pacífica para a disputa. O assessor especial da Presidência, Celso Amorim, esteve em novembro em Caracas e pediu para que Maduro maneirasse o tom. O fato é que, segundo fontes diplomáticas, não se sabe o que fazer caso “o pior aconteça”. O Itamaraty, disse um ex-chanceler, não tem como minimizar as ameaças a um “blefe político”. E vê riscos para o Mercosul, que preside o bloco, e faz força para que a Venezuela volte ao grupo. O presidente da Guiana, Irfaan Ali, planeja estabelecer bases militares com apoio estrangeiro. E tudo escala.

Para piorar, o discurso beneficia a direitista venezuelana María Corina Machado, que quer acabar com o socialismo na Venezuela, escolhida candidata da oposição para as eleições presidenciais de 2024. Formada no programa de líderes mundiais em políticas públicas da Universidade de Yale, nos Estados Unidos – isso diz muito -, ela aponta o mecanismo como uma “distração” em meio ao difícil – pra dizer pouco, e a Argentina não nos deixa mentir – clima político, econômico e social venezuelano, antes das eleições presidenciais de 2024.

Apoiadoras chavistas se mobilizaram pelo país para iniciar campanha pelo “sim”. Foto: Prensa Presidencial

Machado foi escolhida a candidata da oposição para enfrentar Maduro, no poder desde 2013, pós-Chávez, mas sua participação em 2024 está em dúvida, pois pesa sobre ela uma inabilitação política que pode impedi-la de inscrever sua candidatura. Mas decisão da Justiça é igual bundinha de bebê. O triste, nesse episódio, é que o asco da direita a Hugo Chávez, herdado por Nicolás Maduro, mas nada parecido com o que Fidel Castro viveu por décadas, só precisa de estopins como esse para explodir.

A Revolução Cubana e a Revolução Bolivariana, insuportáveis para a direita latina, em particular para os Estados Unidos, e seu núcleo geopolítico, acha um trunfo político que essa “guerra” avance. Quanto pior, melhor. Reinventa-se-um conflito regional, algo que dará fôlego até para a direita bolsonarista, milenista e outros direitistas. Afinal, na cabeça de todos, Lula é Maduro.

Opositores do regime e analistas políticos não contestam a soberania venezuelana sobre Essequibo (na Venezuela, chamado de Guiana Essequiba), mas a forma como o conflito vem sendo conduzido pelo regime de Maduro, criticado por usar o tema como manobra para distrair a população. Uma “guerra” entre Venezuela e Guiana seria uma bomba no continente, e até as pilastras da Corte Internacional de Justiça sabem que, tradicionalmente, conflitos resolvendo controvérsias territoriais não são raros por aqui – só que o resolvem por meio da paz, não por plebiscitos.

A disputa territorial entre Venezuela e Guiana é mais velha dol que quando a peste bubônica, que chegou ao porto de Santos, e assolou várias cidades brasileiras. A Guiana recorre a um laudo arbitral de 1899, em Paris, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais, enquanto a Venezuela reivindica o Acordo de Genebra, firmado em 1966 com o Reino Unido antes da independência guianesa, no qual foi anulado o laudo arbitral e se estabeleceram bases para uma solução negociada. O resto é festim diabólico, parafraseando Alfred Hitchcock. Só que Maduro não é James Stewart.

Os venezuelanos vão às urnas para votar em um referendo sobre os direitos da Venezuela sobre a região de Essequibo, que representa cerca de dois terços do atual território da antiga colônia inglesa. Quando esse espaço foi entregue à Grã-Bretanha, que controlava a Guiana na época. A Venezuela, no entanto, não reconhece essa decisão e sempre considera região “em disputa”. Até aí, existem na América Latina pelo menos10 disputas territoriais abertas – e não há plebiscitos decidindo o futuro de Nações. O desacordo entre a Argentina e o Chile sobre a Passagem de Drake, é um deles. E ninguém está em guerra. Ouro – que você nunca ouviu falar – é a disputa pela Ilha Coelho entre El Salvador, Honduras e Nicarágua. O arquipélago de San Andrés, Providência e Santa Catalina está a 110 km da costa nicaraguense e a 720 km da costa colombiana.

Os dois países disputam hádécadas em instâncias internacionais a soberania dessas ilhas, que têm cerca de 100 mil habitantes. A disputa fronteiriça entre a Guatemala e Belize dura mais de 160 anos – quase a metade do território de Belize. Nenhum plebiscito à vista. Esses são só alguns exemplos.

Os militares venezuelanos, basicamente, não planejam marchar os 2,6 mil quilômetros de Pacaraima, em Roraima, até Brasília, pra render os poderes e tomar o governo do Brasil. A saia justa é como Lula deve se poretar nesse dilema. A questão central é o que planeja a Veneuela, e o mundo políticonão se arrisca: um blefe eleitoral ou uma “guerra” de fato.

As eleições venezuelanas são tão bizarras que, contando com o desmemoriado eleitorado, o ex-presidente Carlos Andrés Pérez, duas vezes presidente da Venezuela, tem aparecido em vídeo detonando Maduro. Pasme: um vídeo feito com inteligência artificial, já que o ex-presidente morreu em 2010. IA antiética patrocinada pelo partido Ação Democrática (AD, social-democrata), que lançou o ex-parlamentar Carlos Prosperi, identificado por suas iniciais CAP. E por lá ainda subexiste o “líder da oposição” venezuelana, o nefando Juan Guaidó, que se diz – só o Republicanos no EUA acreditam nisso – o presidente de fato e líder da oposição venezuelana. Bogotá “obrigou” Guaidó a apanhar um “voo comercial” para os Estados Unidos, onde vive muito bem.

Não há recuo no ar. Nos “jornais” venezuelanos, como o líder El Universal, o clima é de ufanismo e sem clima para recuo. Maduro apelou esses dias a todos os partidos políticos para que se unam à defesa da soberania venezuelana sobre o território de Essequibo – o surrado discurso “nós contra eles”.

Nas redes sociais, o chefe de Estado falou em “unidade nacional” tendo ao fundo o slogan “Venezuela toda”. E não deu sinais de voltar atrás. “Este referendo não é para nos confrontar, é o momento de nos unirmos, de nos encontrarmos novamente. Estendo-vos a mão desde Essequibo, estendo-vos a mão pela unidade nacional”, escreveu.

Não consigo esquecer o “Rato que Ruge”, obra-prima de Peter Sellers – só que em versão invertida -, em que um pequeno ducado falido, decide invadir Nova York numa manhã de domingo em Manhattan. No caso da pequena e selvagem Essequibo, a comunidade internacional não vai deixar barato.

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