Vereador homenageia sua mãe, empregada, e conta sua luta para a Justiça reconhecer ministro do STJ como seu pai

Atualizado em 10 de maio de 2020 às 12:09
Tiago Silva e Jorge Mussi, ministro do Superior Tribunal de Justiça

Tiago Silva é vereador de Florianópolis e atualmente diretor do Procon de Santa Catarina. Passou a madrugada deste domingo (10) em claro.

Este é o primeiro Dia das Mães sem dona Regina da Silva, que morreu no dia 1º de março, aos 63 anos.

Quase ao amanhecer, decidiu prestar uma última homenagem a ela, rompendo um silêncio que o acompanhava.

Foi para as redes sociais publicar um relato sobre como conseguiu na Justiça o reconhecimento da paternidade do ministro do STJ Jorge Mussi.

Foram mais de 30 anos até o veredicto.

Nos documentos oficiais, o vereador passou a se chamar, oficialmente, Tiago Silva Mussi. Não usa o sobrenome paterno, no entanto.

“Me sinto mais confortável sendo um Silva”, diz.

Eis o Brasil.

NÃO RECEBI O CONVITE

É com essa frase que tenho respondido as pessoas que me parabenizam pela nomeação do meu pai a vice presidência do Superior Tribunal de Justiça. Não recebi o convite para a posse.

Fiquei sabendo da sua nomeação como todos os outros, pela imprensa. Nem todos sabem, mas sou filho do Ministro do STJ e ex Desembargador, Jorge Mussi. Nunca falei publicamente sobre isso. Mas recentemente, após uma longa batalha na justiça, tive o direito a paternidade reconhecida.

Fruto de uma relação do filho da patroa com a empregada, não tive o nome do pai no meu registro. Não tive sua presença, seu carinho, seu apoio, da infância a vida adulta. Isso nunca me impediu de trilhar o meu cominho e conquistar minhas vitórias. Lutei duras batalhas.

Contra a desigualdade, o preconceito, a falta de oportunidades. A pobreza. O meu pai trilhou o seu também, formado em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e de família influente ingressou na magistratura como desembargador.

Em dezembro de 2007, foi nomeado ao cargo de ministro do STJ e foi membro do Tribunal Superior Eleitoral. Assim como agora não fui convidado para nenhuma de suas posses.

Ele se envergonha de ter um filho com a empregada doméstica. O que me leva a concluir que tal caminho de êxito e sucesso, como homem que aplica a lei, não o sensibilizou do meu direito, como filho de ter um pai. Mas a justiça só é justa quando feita com coração.

Em respeito a minha mãe, não tornei púbica essa luta. Não usei da visibilidade das minhas conquistas pessoais, como diretor do Procon municipal ou como vereador mais votado de Florianópolis em 2008, para tornar pública essa injustiça. Mas esse ano, a vida levou a minha mãe.

Uma mulher guerreira que com ajuda da minha avó decidiu não brigar com o homem que era o pai do seu filho para ajudar a me criar. Desde muito jovem ela também precisou enfrentar inúmeras dificuldades. Entre elas a de criar um filho sozinha.

Mas eu, por decisão própria enfrentei, sozinho, uma intensa e turbulenta batalha na justiça. O meu pai, ministro Jorge Mussi, utilizou de toda a sua influência e aproveitando-se da morosidade dos processos judiciais do país para dificultar o reconhecimento de paternidade.

A ponto de a arrolar uma testemunha que morava nos Estados Unidos para ser ouvida. O que não impediu que a justiça fosse feita. Venci. Me tornei, nos documentos, Tiago Silva Mussi. Porém, muitas pessoas que acompanharam essa luta me questionam porque não assino usando o Mussi.

Me sinto mais confortável sendo um Silva. Somos um país construído por Silvas. Muitos inclusive, sem pai, mas a maioria honestos e éticos.

Kiko Nogueira
Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.