Verissimo: “A liberdade suprema só existe nas tiranias”

Atualizado em 15 de fevereiro de 2022 às 13:29
Monark no Flow Podcast
O apresentador do Flow Podcast, Monark, defendeu a existência de um partido nazista no Brasil.
Foto: Reprodução

O texto abaixo foi publicado originalmente em 2011 com o título ‘Liberdade’, na coletânea Em Algum Lugar do Paraíso, do escritor Luis Fernando Veríssimo.

O artigo foi republicado em sua conta do Twitter nesta segunda-feira (14), após a declaração do apresentador Monark a favor da existência de um partido nazista no Brasil abrir um amplo debate sobre o conceito de liberdade.

Leia:

É livre quem pode fazer o que quiser — dentro das suas limitações de espaço, tempo, energia e recursos. Só se é livre dentro de certos limites. Portanto, toda a liberdade é condicional.

Só é totalmente livre quem pode exercer a sua vontade sem qualquer limitação moral ou material. Isto é: o tirano. Assim, a liberdade suprema só existe nas tiranias.

Dizer que a minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro é muito bonito. Mas e se a liberdade foi mal distribuída e o meu vizinho tem um latifúndio de liberdade enquanto a minha é um quintal de liberdade, liberdade mesmo que tadinha?

Não é feio sugerir um reestudo da divisão.

Cuidado com quem dá aos outros toda a liberdade. Geralmente é quem pode tirá-la.

Há os que passam o dia inteiro livres e chegam em casa se queixando disso. São os motoristas de táxi. Toda liberdade é relativa.

Toda liberdade é relativa. Verdade exemplarmente ilustrada por este diálogo entre o preso e o carcereiro.
— Nunca mais vou sair daqui.
— Calma. Não desanime.
— Não tem jeito. Estou aqui para sempre.
— Vou ver o que posso fazer por você.
— Não adianta. Estou condenado. Desta prisão eu não saio. Se esqueceram de mim.
— Eu não esquecerei. Voltarei para visitá-lo.
— Promete? — diz o carcereiro.

Quem é livre às vezes não sabe. Quem não é livre sempre sabe. Ou será o contrário? A gente vê tanta gente inexplicavelmente feliz.

Alguns são obcecados pela liberdade e prisioneiros da sua obsessão.

Os loucos são livres e vivem presos por isso.

Poderia se dizer que livre, livre mesmo, é quem decide de uma hora para outra que naquela noite quer jantar em Paris e pega um avião.

Mas mesmo este depende de estar com o passaporte em dia e encontrar lugar na primeira classe. E nunca escapará da dura realidade de que só chegará em Paris para o almoço do dia seguinte. O planeta tem seus protocolos.

Fala-se em liberdade como se ela fosse um absoluto. Mas dizer “eu quero ser livre” é o mesmo que dizer “eu quero” e não dizer o quê. Existe a Liberdade De e a Liberdade Para. Não é uma questão apenas de preposições e semântica. É a questão do mundo.

O liberalismo clássico iconizou a Liberdade Para. Você é livre se tem liberdade para dizer o que pensa e fazer o que quer, para ir e vir e exercer o seu individualismo até o fim, ou até o limite da liberdade do outro.

A ideia de que a verdadeira liberdade é a Liberdade De é recente. Livre de verdade é quem é livre da fome, da miséria, da injustiça, da liberdade predatória dos outros. A ideia é recente porque antes era inconcebível.

Ser livre do despotismo era automaticamente ser livre para o que se quisesse, para a vida e a procura individual do paraíso.

Foi preciso uma virada no pensamento humano para concluir que Liberdade Para e Liberdade De não eram necessariamente a mesma liberdade e outra virada para concluir que eram antagônicas.

A última virada é a decisão de que uma liberdade precisa morrer para que a outra viva. Não concorde com ela muito rapidamente.

Enfim, de todos os crimes que se cometem em nome da liberdade, o pior é a retórica.

Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, completamente livre, é a que não tem medo do ridículo.

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