Vidas negras (dos EUA) importam: Globo News e CNN na cobertura do racismo. Por Sacramento

Atualizado em 4 de junho de 2020 às 15:58

Só a eclosão do maior protesto desde a morte de Martin Luther King fez a Globo News abrir os olhos para o problema do racismo. Resta saber por quanto tempo o assunto ficará em pauta.

Até recentemente, o tema passava em branco na programação. Literalmente, porque a Globo News reproduz a estruturas sociais do país e tem equipe de maioria branca.

Cometeram absurdo de fazer um debate sobre racismo sem um único profissional negro, no programa Em Pauta. O fato viralizou e a emissora recebeu merecidas críticas.

Por conta da repercussão, promoveram uma edição do Em Pauta apenas com profissionais negros do canal e as jornalistas Zileide Silva e Flávia de Oliveira entraram para o time de comentaristas do programa.

A pergunta que fica no ar é se a empresa tomaria as duas medidas se não fosse alvo de protestos nas redes sociais. Aposto meu baixo jazz bass cor de vinho que não, porque o racismo nunca foi abordado na grande imprensa com a seriedade que o assunto exige.

A presença do sociólogo Demétrio Magnoli entre os escolhidos para debater racismo dá a noção de como o assunto é tratado. Magnoli escreveu um artigo em que criticava as comissões criadas para avaliar possíveis fraudes em cotas nos vestibulares, chamadas por ele de “tribunais raciais”.

No artigo, ele chama o antropólogo Kabengele Munanga de um dos “ícones do projeto da racialização oficial do Brasil” e o acusa de “charlatanismo acadêmico”.

Nascido na República Democrática do Congo, onde faz a graduação, Munanga é doutor pela USP e uma das principais referências do pensamento negro no país. Ele que deveria estar debatendo o racismo, não Magnoli na Globo News ou William Waack na CNN.

Com figuras assim debatendo o racismo, não há outra hipótese senão o oportunismo e a busca pela audiência para justificar a cobertura dessas emissoras.

Caso os responsáveis pelas pautas estivessem realmente interessados em debater e combater o racismo, não seria necessária uma tragédia como a morte de George Floyd para servir de gatilho.

Infelizmente, o que mais temos no país são negros inocentes mortos pelas forças de segurança. João Pedro Mattos Pinto, Ágatha Félix e Evaldo Rosa dos Santos são alguns desses mártires.

Suas mortes não renderam metade da cobertura dedicada ao caso George Floyd. As hashtag em protesto a essas execuções ficaram restritas à bolha ativista.

Um veículo de comunicação que se afirme empenhado em combater o racismo precisa debater com profundidade as vidas negras perdidas diariamente no país.

Qualquer debate que não leve em consideração o racismo estrutural e ignore os pensadores e a vozes negras brasileiras da atualidade será irrelevante.

Servirá no máximo, para conquistar audiência e ficar bem na foto, com verniz de comprometimento na luta pelo racismo, quando na verdade faz parte do mecanismo que alimenta a estrutura racista.