Vindo da periferia de SP para a França, achava que a Notre Dame duraria para sempre. Por Willy Delvalle, de Paris

Atualizado em 15 de abril de 2019 às 16:46
Willy Delvalle em seu primeiro encontro com a Notre Dame

Uma das minhas primeiras memórias da Catedral de Notre Dame de Paris vem da adolescência, numa aula de história da arte.

A foto, pequena mas fascinante, do ícone da arquitetura gótica. Naquela época, eu aprendia francês por admiração da língua e da cultura. Jamais imaginei que eu a veria de perto.

Por ser de origem modesta e pela distância que um patrimônio da humanidade se encontra das classes populares do mundo inteiro.

Mas aqui cheguei, para ganhar uma perspectiva de vida que havia perdido com o desemprego num Brasil que começava a ruir com o golpe que depôs Dilma Rousseff e toda minha esperança que morria com aquela injustiça.

A chegada a Paris marcava meu renascimento, minha existência social. E Notre Dame coroava esse momento. Era a prova de que eu havia superado enormes dificuldades, limitações financeiras, graças à solidariedade de uma tia professora, Rita de Cássia Ramos, e de minha mãe.

Eu havia superado as barreiras de classe e chegado a um lugar que não era reservado para mim. Um lugar caro. Eu estava de frente para a Catedral.

Não acreditava que via a rosácea, aquele símbolo da escola arquitetônica mais bela da Idade Média. Estava fascinado pelo seu caráter, seu tamanho gigante.

Impressionante pensar como cada detalhe foi delicadamente trabalhado ao longo de séculos por gente de diferentes ordens medievais. Impressionante como a delicadeza havia chegado àquela altura, numa época com tantas limitações tecnológicas e científicas.

Parecia impressionante mesmo para os dias de hoje.

E eu estava ali. Vindo de onde vim, da periferia de São Paulo, de frente para todo o esplendor de arte, arquitetura e símbolo do poder político e religioso de um longo período histórico.

Eu estava de frente para ela, tirando fotos, com um celular, o paradoxo da passagem do tempo, de um novo mundo, globalizado, ainda que com suas limitações e tantos defeitos.

Naquela 6 de outubro de 2017, meu fascínio se misturava com intriga, logo que via militares percorrendo os arredores da Catedral, com metralhadoras às mãos.

Era outro paradoxo, pensava: como pode portarem armas num lugar que simbolizava Deus? Mas era mais do que um símbolo religioso.

A Catedral era um símbolo da França, de mais de oito séculos de sua história, de seu poder, um alvo potencial de atentados terroristas era a justificativa da presença daqueles militares.

A Catedral, visitada por mais de 20 milhões de turistas por ano, seria um alvo preferencial de quem quisesse atacar a França, a Europa e o Ocidente, pois a França é também um símbolo cultural do Ocidente.

Sempre cheia de gente, de filas, deixei para conhecer o interior da Catedral outro dia. Como quem estuda, mora e trabalha em Paris, sempre fui deixando essa visita para depois.

Mas este incêndio aconteceu. E a integralidade do interior daquela Catedral, cada pedaço consumido pela chamas, jamais verei. Arrependimento. Pesar.

Sinto a dor dos franceses, perplexos com essa imagem, agravada porque nunca vi aquele teto, acreditando que ele sempre estaria ali.

Mas a história é dinâmica e mesmo as construções mais imponentes e sólidas não são para sempre. Um triste aprendizado, dramático.