“Viver é uma experiência sublime. Pena que passageira”, diz Tony Bellotto ao DCM

Atualizado em 4 de novembro de 2025 às 20:26
Tony Bellotto

Passado pouco mais de um ano desde seu lançamento, o livro “Vento em Setembro” (Companhia das Letras), de Tony Bellotto, acaba de receber o Prêmio Jabuti 2025 na categoria Romance Literário. O guitarrista dos Titãs, também escritor e roteirista, há mais de 30 anos se dedica ao romance policial, gênero que cultiva paralelamente às composições, roteiros, riffs e ao rock’n’roll.

Ambientado entre Assis, nos anos 1970 — cenário das lembranças de infância de Tony, filho de intelectuais itinerantes por campi do interior paulista — e a Ouro Preto contemporânea, o romance começa com um magnata rural, Máximo Leonel, que organiza uma festa para celebrar a perda da virgindade do filho mais novo. A partir daí, o leitor é lançado em um labirinto de dúvidas, crimes e paixões, conduzido pela figura do jornalista e escritor Davi.

Entre referências a Raul Seixas e esculturas de Aleijadinho, Bellotto introduz um elemento de transgressão artística: a pichação em monumentos e igrejas, agora reconhecida como expressão legítima da arte contemporânea. A trama atravessa fronteiras — de Santos à Grécia, de Assis à Cidade do México — em uma epopeia cheia de reviravoltas e humor refinado, marca registrada do autor.

A seguir, a entrevista concedida por Tony Bellotto ao DCM.

DCM — No vendaval que se abateu sobre sua vida, a descoberta e o enfrentamento público de um câncer de pâncreas foram, de algum modo, sua tábua de salvação? Você conseguiu produzir ou mergulhar em algum novo título?

Tony Bellotto — Não exatamente. Quando descobri a doença, eu já estava escrevendo um novo romance. Durante a primeira parte do tratamento, continuei escrevendo e fazendo shows. Depois da cirurgia, dei um tempo, mas já voltei aos palcos e estou finalizando o livro. Tentei não dramatizar a doença e enfrentá-la levando a vida normalmente. Claro que isso me abalou, mas escrever e tocar guitarra me ajudam a reencontrar esse fluxo balsâmico do cotidiano.

DCM — A frase “A vida vale a pena”, usada por Fernanda Torres após o Oscar de 2025, pode ser aplicada agora por você? O que sente ao receber seu primeiro Prêmio Jabuti?

Tony Bellotto — Vale sim! Essa frase foi muito motivadora. Acho que viver é isso: enfrentar as dificuldades e aproveitar os prazeres. Desse equilíbrio nasce a satisfação — e a constatação de que viver é uma experiência sublime. Pena que passageira…

DCM — Vivemos tempos sombrios, com inversão de valores e o colapso da educação pública. Darcy Ribeiro e Leonel Brizola foram ignorados. O Estado paralelo se consolidou e a barbárie voltou às ruas. A educação foi esmagada?

Tony Bellotto — Sim, o panorama é de Apocalipse, mas acho que vale insistir. É fundamental conscientizar as pessoas da importância de votar em políticos sérios, com boas propostas de governo.

DCM — Você acredita que o Jabuti possa inspirar novos escritores? Ainda há esperança nas novas gerações, cada vez mais robotizadas pelas telas digitais?

Tony Bellotto — Espero que sim. Fiquei muito inspirado a escrever depois de ganhar o prêmio! Mas, falando sério, acho que um prêmio assim chama atenção para o livro — e isso sempre acaba inspirando um ou outro leitor a escrever.

DCM — Estar novamente no palco com os Titãs te estimula a seguir em frente? A química entre vocês é o seu elixir da vida eterna?

Tony Bellotto — Sim. A música tem um poder incrível. Como dizia Bob Marley, “one good thing about music, when it hits you, you feel no pain” — uma das coisas boas da música é que, quando ela te atinge, você não sente dor.

 

Roger Worms
Roger W. Lima é músico, escritor e designer (https://www.facebook.com/roger.w.lima?fref=ts)