“Viveu, escreveu, amou”: Stendhal revisitado. Por Paulo Nogueira

Stendhal, ou Henri Marie Beyle

Conhecer Stendhal, o grande romancista francês do século XIX, já me foi importante na carreira.

Uma vez, na redação da Veja nos anos 80, o diretor adjunto Elio Gaspari me perguntou no meio do fechamento em que romance de Stendhal o personagem luta em Waterloo sem saber que era Waterloo. Elio queria usar isso no começo de um texto seu. Por que Elio perguntou a mim não sei. Imagino que fosse porque eu tivesse sido editor de livros da Veja num determinado momento, na suprema ignorância arrogante dos 27 anos. Elio passou a respeitar o foca naquele momento. Foi, pelo menos, o que me pareceu.

Enfim.

Era “A Cartuxa de Parma”.

Estou relendo “O Vermelho e o Negro”, de Stendhal, que encontrei em meu iPad. O que me levou a reler Stendhal foi um magnífico ensaio de Lytton Stratchey sobre ele, escrito há mais de cem anos.

Stendhal é do tamanho de Balzac, Zola, Vítor Hugo, Flaubert e outros colossos franceses da literatura. Goethe escreveu dele a um amigo: “Não gosto de ler Stendhal, mas não consigo deixar de ler. Recomendo … todos os seus livros.” Eram romancistas que, além da prosa magnífica, sabiam como contar uma história que prendesse imediatamente o leitor. Uniam a embalagem do texto em si ao conteúdo da trama inventiva e inteligente.

Stendhal lia regularmente trechos do Código Napoleônico — as leis chanceladas por Napoleão — na busca de concisão no texto. No Código não estava escrito nada além do que deveria estar. Não havia palavras desnecessárias, e isso era uma inspiração para ele.

Stendhal encarnou a França revolucionária, dos jacobinos e de Bonaparte. Garoto ainda, soube que o rei tinha sido decapitado. Seus pais abominaram o assassinato do rei, mas o pequeno Henri Beyle – este seu nome verdadeiro – vibrou. Stendhal participou da guerra napoleônica na Rússia, uma tragédia para a França causada pelo conhecido General Inverno.

Anticlerical, escreveu uma frase soberba sobre a religião. “Todas as religiões são fundadas na fé de muitos e na esperteza de uns poucos.” Ateu, diante dos horrores da vida afirmou que “a única desculpa para Deus é que ele não existe”.

Foi um homem de paixões. Amava a Itália, em particular Milão, onde viveu anos. Amava as mulheres. “Sempre esteve apaixonado”, como diz Stratchey. E amava seu ofício.

Stendhal morreu subitamente, aos 59 anos. Suas paixões ficaram imortalizadas no epitáfio que ele próprio escreveu – em italiano, não em francês.

“Viveu, escreveu, amou.”

Paulo Nogueira

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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