Vodca russa guardada por 5 meses ajuda a salvar comerciante intoxicado por metanol em SP

Atualizado em 11 de outubro de 2025 às 9:49
O comerciante Cláudio Crespi, que foi intoxicado por metanol em bebida alcoólica. Foto: Reprodução

Uma garrafa de vodca russa com 40% de teor alcoólico, que estava guardada como decoração havia cinco meses, ajudou a salvar a vida de Cláudio Crespi, de 55 anos, um dos casos confirmados de intoxicação por metanol em São Paulo, conforme informações do G1.

O episódio ocorreu no fim de setembro e se tornou um exemplo raro de como o etanol presente em bebidas alcoólicas pode ser usado como antídoto em situações emergenciais.

Em 26 de setembro, Cláudio passou mal após consumir vodca entre São Paulo e Guarulhos. No dia seguinte, seu quadro piorou e ele precisou ser internado. A sobrinha dele, Camila Crespi, conta que o tio foi levado às pressas para a UPA da Vila Maria, onde uma médica suspeitou de intoxicação por metanol. Entubado, o comerciante precisava do antídoto — que o hospital não tinha.

“O hospital não tinha o antídoto. Eu fui buscar uma vodca em casa. Estava fechada. Eu e meu marido não bebemos, e a vodca russa estava em casa fechada e pronta para o meu tio usar. Na hora do desespero, a médica pediu um destilado e lembramos que tinha essa em casa”, contou Camila, que havia ganhado a bebida de uma amiga.

A vodca foi administrada por cerca de quatro dias sob supervisão médica. “Ajudou a estabilizá-lo. A hemodiálise que fez a diferença”, disse a sobrinha.

Cláudio chegou a ficar em estado grave, e a mãe se despediu do filho no leito. Mas, em 2 de agosto, ele acordou do coma e, quatro dias depois, deixou a UTI.

Protocolo de emergência

A Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo informou que o Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox) recomendou o uso de bebida alcoólica por sonda nasogástrica, um procedimento reconhecido e usado em situações emergenciais.

“O protocolo é reconhecido e utilizado em situações emergenciais com bons resultados clínicos. O procedimento foi acompanhado por um familiar que também é médico. A administração do antídoto (o próprio etanol) deve ser realizada em um equipamento de saúde, para impedir que o corpo transforme o metanol em substâncias tóxicas”, afirmou a pasta, em nota.

Frascos de metanol. Foto: reprodução

O que é o antídoto contra o metanol

Segundo o hepatologista Rogério Alves, do Hospital Beneficência Portuguesa e membro da Sociedade Brasileira de Hepatologia, o metanol é um álcool tóxico que, ao ser metabolizado pelo fígado, se transforma em formaldeído e ácido fórmico, substâncias que podem causar cegueira e até morte.

“Os principais antídotos são o fomepizol, que é o ideal, e o etanol, usado no hospital quando o fomepizol não está disponível. Também se usa hemodiálise e bicarbonato para eliminar o veneno e corrigir o sangue. O etanol bloqueia a enzima do fígado que transforma o metanol em veneno. Assim, o metanol é eliminado antes de causar dano”, explicou.

Na quinta-feira (9), mais de 2 mil doses de fomepizol chegaram ao centro de distribuição do Ministério da Saúde, em Guarulhos. O medicamento, comprado junto à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), só pode ser administrado com acompanhamento médico, conforme protocolo que determina sua aplicação em pacientes com sintomas de intoxicação entre 6 e 72 horas após a ingestão da bebida adulterada.

“Ganhei uma vida nova”

Ainda internado, Cláudio segue em tratamento para reduzir as sequelas. Ele perdeu grande parte da visão e não se lembra bem do que ocorreu nos dias da intoxicação.

“Bebi uma dose e no sábado, na parte da manhã, eu fui para o hospital com uma dor de cabeça. Chegando lá, falaram que eu estava com pneumonia. Eu só me lembro de três dias para cá”, relatou.

“Os meus sintomas agora: um pouco só de [dificuldade na] respiração e a visão, que eu tenho só 10%. Mas eu fiquei sem falar, sem andar. Fiquei debilitado totalmente. Não sei ainda o futuro. Eu sei que eu ganhei uma vida nova.”

Casos de metanol em São Paulo

De acordo com o governo de São Paulo, subiu para 25 o número de casos confirmados de intoxicação por metanol no estado. Há ainda 160 casos em investigação e 189 já descartados.

A crise causada por bebidas adulteradas com metanol já resultou em cinco mortes confirmadas: três homens, de 54, 46 e 45 anos, moradores da capital; uma mulher, de 30, de São Bernardo do Campo; e um homem, de 23, de Osasco. Outras seis mortes ainda estão sob investigação, sendo quatro na capital e duas em São Bernardo.