Voto de Freixo a favor do pacote anticrime ilustra o funcionamento do parlamento. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 6 de dezembro de 2019 às 15:39
Deputado Federal Marcelo Freixo (Valter Campanato/Agência Brasil)

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POR LUIS FELIPE MIGUEL

Marcelo Freixo votou a favor do “pacote anticrime”, ao lado dos colegas do PSOL Edmilson Rodrigues e Fernanda Melchiona. Na bancada do PT, foram nada menos do que 40 votos favoráveis.

Embora Moro tenha sofrido derrotas importantes, em especial a retirada do infame “excludente de ilicitude”, o sentido do pacote é amplamente punitivista. Ele aposta no encarceramento como solução para os problemas da segurança pública. Ele amplia a vulnerabilidade das populações mais pobres diante da repressão estatal.

O próprio Freixo reconhece isso, ao justificar seu voto pela necessidade de firmar uma derrota de Moro e impedir que a proposta original voltasse à apreciação do Congresso.

E, também, de honrar as negociações que permitiram a reforma do projeto.

O que o voto de Freixo ilustra é o funcionamento do parlamento – e também da disputa eleitoral – como força de inibição da expressão da radicalidade política. São mecanismos centrípetos, que estimulam e premiam a “moderação”. E que trabalham, portanto, para travar transformações sociais mais profundas.

É claro que, ao votar a favor do texto que negociou na comissão, mesmo sabendo que ele não corresponde àquilo que desejaria, Freixo se cacifa como interlocutor para novas negociações.

E, ao viabilizar a aprovação de um texto que retira alguns absurdos mais graves da proposta original, ele consegue uma efetividade no seu mandato maior do que se ficasse simplesmente dizendo “não” – e vendo o projeto passar com excludente de ilicitude, “plea bargain” e o escambau.

Ao mesmo tempo, Freixo favorece sua própria candidatura a prefeito do Rio. Seu voto favorável serve como blindagem contra a acusação de que é “amigo de bandidos”. Ele acena para o senso comum conservador. O cálculo também pode ser justificado: melhor isso do que deixar caminho aberto para a reeleição do bispo, não é mesmo?

Mas o custo é retirar legitimidade das posturas políticas de maior enfrentamento e afastar estes discursos do debate público. De caminhar, passo a passo, para o estreitamento do horizonte da transformação social.

É o que faz com que a democracia eleitoral, que foi uma conquista histórica da classe trabalhadora, tenha se tornado a forma padrão da dominação burguesa.

Foi o que fez com que o PT, que nasceu como promessa de uma nova forma de ação política, acabasse por se transformar em um partido da ordem.

É a pressão que a participação na institucionalidade exerce – uma vez que essa institucionalidade nunca é neutra, mas condensa uma determinada correlação de forças sociais.

No momento em que os grupos dominantes no Brasil explicitam que não aceitam mais ser contidos pela institucionalidade que eles mesmos definiram, será que o melhor caminho de fato é fazer a aposta que Freixo e seus dois colegas de bancada fizeram?

Não se trata de acusar Freixo por “traição”. Ele fez uma escolha que não era simples – e suas declarações públicas mostram que ele tem consciência disso.

Mas, do ponto de vista de quem quer manter um projeto de transformação radical da sociedade, é difícil recusar a conclusão de que esse caminho inclui uma armadilha.