
O ministro Alexandre de Moraes iniciou o julgamento da Ação Penal (AP) 2668 com um voto devastador, marcado por objetividade, racionalidade e precisão. Rejeitou as teses da defesa com segurança técnica e desmontou cada argumento com rigor implacável.
O impacto do voto vai além do processo interno. Revela que a justiça é um dos pilares fundamentais da democracia e, diante do arbítrio, é indispensável que exista uma justiça independente. Nesse sentido, pode-se adaptar a reflexão de um autor célebre*: Se a capacidade humana para a democracia possibilita uma justiça independente, a inclinação de alguns poderosos para o arbítrio faz dessa justiça independente uma condição indispensável para a própria democracia.
Além de Bolsonaro, são réus nesta ação o deputado Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin), o almirante Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF), o general Augusto Heleno (ex-chefe do GSI), o tenente-coronel Mauro Cid (ex-ajudante de ordens, delator), o general Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e o general da reserva Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa).
Em seu voto, Moraes impôs com clareza que Jair Bolsonaro não se comportou como um observador neutro, mas atuou como chefe de uma organização criminosa articulada para abolir o Estado Democrático de Direito. Comparou-o a um capo mafioso à frente de uma estrutura hierárquica. Entre os 13 atos descritos, destacou-se a Operação “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato de autoridades, incluindo o presidente Lula — plano do qual Bolsonaro tinha pleno conhecimento.
URGENTE: momento em que o Alexandre de Moraes CONDENOU O BOLSONARO em seu voto. Grande dia! pic.twitter.com/p3QjkooshF
— Vinicios Betiol (@vinicios_betiol) September 9, 2025
O ministro também desmontou as contestações da defesa sobre a delação de Mauro Cid, qualificando-as como litigância de má-fé, e reforçou a robustez das provas. Relembrou ainda as ameaças ao STF feitas por Bolsonaro em lives, interpretando-as como parte de uma escalada autoritária.
Na exposição, Moraes descreveu uma organização criminosa armada, que buscou manipular órgãos públicos — como a PRF e setores das forças militares —, evidenciando que não se tratava de episódios isolados, mas de uma trama elaborada.
Além disso, o voto assume dimensão de defesa da soberania nacional. Moraes enfrenta sanções impostas pelo governo Trump — incluindo aplicação da lei Magnitsky — em retaliação ao julgamento, e foi alvo de medidas como revogação de vistos, impulsionadas por articulação de Eduardo Bolsonaro junto ao governo americano. Este voto, portanto, responde também a essa tentativa externa de coação e reafirma a independência do Judiciário brasileiro.
Ao final, votou pela condenação dos oito réus, sem definir ainda a dosimetria das penas. O julgamento seguirá com os votos dos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, e a decisão será por maioria simples.
*Adaptação inspirada na reflexão original de Reinhold Niebuhr: “A capacidade humana pela justiça torna possível a democracia, mas a inclinação humana para a injustiça torna a democracia necessária.”
Publicado originalmente em O Cafezinho