“Vou me jogar no mar”: a história de amor e obsessão de Tônia Carrero e Rubem Braga

Atualizado em 4 de março de 2018 às 8:23
Tônia

A revista Bula contou a história do famoso caso entre Tônia Carrero, falecida aos 95 anos no Rio, e Rubem Braga, o maior cronista brasileiro.  

Em 1947, enviado a Paris como correspondente de O Globo, Rubem, com a mulher, Zora, e os amigos Carlos Reverbel e a mulher deste, Olga, mora no apartamento onde morreu Marcel Proust.

Em Paris, encontra-se com Tonia Carrero, que ainda não tinha fama alguma e era casada com o desenhista Carlos Thiré. Este “não a levava a sério como atriz”. Rubem avaliava que “o maior talento da amiga era antes de tudo estético: a beleza”.

Mariínha, como Tonia era conhecida, cantava fados tropicais e, sobretudo, encantava a platéia de amigos, como Aníbal Machado, Rubem e Vinícius de Morais.

Nos passeios pelas ruas de Paris, Rubem elogiava a beleza de Tonia, fazia graça — “tenho muita amizade pelo seu joelho esquerdo” — e, aos poucos, ia conquistando a futura atriz. O marido implicou e disse que não queria ela saísse mais com o jornalista e escritor. Tonia chorou “copiosamente”. Irritado, Thiré perguntou: “Ele é tão importante assim?”

Conta Marco Carvalho: “Solitária, triste, sem ter o que fazer em Paris, Mariínha [ou Maricota, como a chamava Rubem] passou a sair ainda mais com Braga, este sempre atento a um novo corte de cabelo, uma nova fivela, uma cor rosada na face. E, certa vez, subindo as escadas de Saint-Germain, descobriu que não queria mais permanecer casada”. Mulher tem mais olho para o detalhe do que homem. Rubem tinha um olhar feminino, digamos, mas com segundas intenções.

Decidida a abandonar Thiré, Tonia passou a se encontrar com Rubem “num hotelzinho, em um velho casarão discreto. (…) Um dia a concierge chamou-o a um canto: ´Não perca nunca essa mulher. Ela é bonita demais´”.

Como Rubem era mulherengo e casado, Tonia decidiu romper: “Acho que nosso caso tem que acabar”. O escritor ameaçou matar-se sob as rodas dos automóveis de Paris. Optou por segui-la, acompanhando-a no navio de volta ao Brasil. Insistiu no reatamento, mas Tonia jogou duro. “Vou me jogar no mar!”, gritou Rubem.

No Rio de Janeiro, Rubem não saía do pé de Tonia. “Ele era um Maria-vai-com-as-outras: queria companhia de mulher bonita, mas não era de casar com nenhuma. Como Vinícius, vivia apaixonado, mas, ao contrário deste, não gostava de se casar e de conviver. Se Rubem quisesse, eu me casaria com ele. Mas ele nunca quis”, garante Tonia. O biógrafo, elegante, não chama Rubem de idiota.

O escritor certamente tinha medo de ganhar chifres do segundo mais belo animal do mundo — o primeiro, segundo Jean Cocteau, era Ava Gardner. Rubem adorava cantar as mulheres dos amigos. Estranhamente, Tonia ressalva: “O grande amor de Rubem foi Bluma Wainer”. Rubem teve um caso com Bluma, pondo chifres no jornalista e empresário Samuel Wainer, seu amigo e, depois, inimigo, mas, quando a garota engravidou, o cronista fugiu para o Rio Grande do Sul.

Tonia rompeu a promessa de que não reataria com Rubem. Voltaram a se encontrar numa garçonnière do Leblon, do jornalista e crítico literário Franklin de Oliveira. “Ali se encontraram algumas vezes, sem que ela se sentisse plena, segura e feliz com o caso que se reiniciava. Tanto que propôs a Rubem que parassem de se encontrar, que voltassem a ser os amigos de sempre. Ele não aceitou: ´Venha mais uma vez. Só mais uma vez´. E Tonia, novamente, cedeu. O milagre, então, aconteceu e, dessa vez, ela voltou para casa sabendo que aquele amor, ou fosse lá o nome que fosse, era sério e que estava enredada”. Mas, logo depois, caiu fora.

Apaixonado, Rubem produziu seu “Soneto”: “E quando nós saímos era a Lua/Era o vento caído e o mar sereno/Azul e cinza-azul anoitecendo/A tarde ruiva das amendoeiras//E respiramos, livres das ardências/Do sol, que nos levara à sombra cauta/Tangidos pelo canto das cigarras/Dentro e fora de nós exasperadas//Andamos em silêncio pela praia/Nos corpos leves e lavados ia/O sentimento do prazer cumprido//Se mágoa me ficou na despedida/Não fez mal que ficasse, nem doesse/Era bem doce, perto das antigas”.

“Tonia”, diz Marco Carvalho, “não sabia bem o que fazer com aquele sentimento. Sabia apenas que não queria se tornar amante de um homem casado, por quem sentia amizade, carinho, adoração. E, pouco depois e mais uma vez, se despediu”.

Mesmo casado, Rubem “exercia uma marcação individual e por zona, e exigia que os amigos avisassem assim que vissem Tonia solta ou assediada em algum bar ou restaurante: ´Era como um cão de guarda, possessivo e ciumento´”.

Um dia, Tonia encantou-se pelo pintor platino-baiano Carybé e levou-o para sua casa. “Mas Tonia mal chegou a mostrar duas ou três belezas, enquanto bebericavam alguma coisa, quando ouviram batidas insistentes e nervosas na porta. Era Rubem. Silencioso e transtornado, ele nada disse. Carybé, por seu lado, levantou-se, despediu-se da mulher e saiu com o amigo, pedindo muitas desculpas — a ele. Um gesto inusitado: Carybé era temido pelos amigos por não respeitar a namorada de ninguém.”

Certa vez, Rubem ligou para Tonia e ameaçou: “Abre a porta, senão eu vou me jogar no mar!” Não deu resultado. Então, o cronista foi para a porta do edifício e ficou andando na calçada, “caminhando para lá e para cá, bem visível, até que ela o recebesse”.

A bela Tonia “abriu a porta. Rubem, trêmulo, desabou no choro, ela o acalmou — ´você está achando que eu nunca mais vou dar pra você?” —, conversaram um pouco, foram para a cama e, no dia seguinte, ela confirmou: ´Tá chato, Rubem. Não é mais a mesma coisa. Você tem que procurar outra mulher. Não quero ficar me encontrando assim, de vez em quando”.

Decidida, Tonia não quis mais sair com Rubem. “E Rubem diria, durante anos, que no momento da separação, as mulheres são muito mais cruéis que os homens”.

Mesmo admitindo que não teria mais Tonia em seus braços, Rubem continuou ciumento. “O tempo fez com que Rubem aceitasse a separação, mas seu sentimento de posse nunca desapareceu por completo: quase duas décadas depois, no Antonio’s, Tonia e Rubem conversavam calmamente — até que Paulo Pinho, casado com a atriz Djenane Machado, entrou e se dirigiu à mesa dos dois para dar um beijo na madrinha do seu casamento. Cumprimentou Rubem, sentou-se — e, a partir de então, este emudeceu, pediu sua conta e retirou-se, sem se despedir. E, mais tarde, quando revia Pinho, fingia que não o reconhecia.”

Marco Carvalho conclui: “O fato é que Rubem, desde que conheceu Tonia Carrero e se envolveu com ela, nunca aceitou o fato de que a atriz não fosse sua mulher — ainda que, dubiamente, jamais propusesse a casar”.

A versão de Tonia: “Uma vez, nos anos 1960, ele me levou ao aeroporto e me mostrou uma crônica linda, dizendo que tinha sido escrita pra mim. Eu nunca acreditei: ‘Que nada, Rubem! Você escreve crônica pra todas as mulheres bonita que encontra! Pra mim, pra Lila Bôscoli, pra Helena Sabino. Você adora mulher de amigo!’ Ele concordou: ´E eu vou me encantar com mulher de inimigo? Mulher de inimigo eu nem posso ver!´”.