
A trajetória de Tânia Maria, artesã potiguar de 78 anos, voltou a ganhar destaque internacional após sua atuação em “O Agente Secreto”, novo filme de Kleber Mendonça Filho. Em matéria da Folha de S. Paulo a artista, que divide cenas com Wagner Moura, contou que vive hoje um capítulo inesperado da própria história, sem abandonar a rotina simples que mantém há décadas.
Parelhas, uma das portas de entrada da caatinga profunda, fica a quatro horas de Natal e já foi cenário de produções como “Cangaço Novo”. Nas redondezas, açudes como Boqueirão e Gargalheiras compõem a paisagem que inspirou “Bacurau”, longa de 2019 que apresentou Tânia Maria ao cinema. Foi ali que a costureira se tornou uma figura reconhecida e passou a estampar um dos muros de Santo Antônio da Cobra, povoado onde vive com a filha e a neta.
A artesã recebe visitantes com humor e franqueza. Ao oferecer café e bolos preparados para a equipe, comentou: “Não tenho diabetes, não tenho nada. Só ansiedade. Aí fico cansada. Bora sentar”. Em seguida, brincou sobre o próprio talento culinário: “Não, odeio!”.
A espontaneidade, que conquistou o público brasileiro e estrangeiro, permanece intacta dentro e fora das câmeras. O mesmo se nota quando relata a entrada no cinema: “Entrei em ‘Bacurau’ por causa da minha fala”. Ela lembra que estava costurando quando disse: “Boa noite” à produtora. E ouviu em seguida: “É da senhora que estamos precisando”.
A descoberta de Tânia Maria também marcou a produtora Renata Roberta, que recorda o magnetismo da atriz. Segundo ela, o processo de seleção buscava pessoas dos próprios territórios, criando um conjunto de intérpretes que carregam gestos e modos de vida genuínos.
Com essa presença, Tânia se destacou rapidamente nas gravações. A atriz ia para o set em um jipe da produção, percorrendo mais de 30 km entre terra e asfalto para receber a diária de R$ 50. Foi nesse período que virou símbolo do cinema regional com a frase improvisada: “Que roupa é essa, menino?”.
A vida da artesã, no entanto, não começou diante das câmeras. Tânia trabalha como costureira desde os 15 anos e passou por diferentes empregos, entre funções na saúde pública e atividades temporárias em cidades como João Pessoa e São Paulo.
Ela conta que enfrentou preconceito nos anos 1970 ao engravidar sem casar, situação que levou parte da comunidade a pressionar por sua demissão. “Não queria ser expulsa e passar vergonha”, relembra. Ao longo da vida, alternou períodos entre Parelhas e a capital paraibana, confeccionando roupas e conjuntos de banheiro para sustentar a filha.

O retorno à atuação ocorreu depois da pandemia, quando participou do docudrama “Seu Cavalcanti”, dirigido por Leonardo Lacca. Em seguida, veio o convite para “O Agente Secreto”. Nas gravações, fez 15 viagens de nove horas entre seu povoado e Recife.
A equipe chegou a esconder que ela contracenaria com Wagner Moura, mas desistiu ao imaginar o susto que levaria no set. Ela não reconheceu o nome do ator e apenas comentou: “A última novela que vi foi ‘Pai Herói’”. O encontro rendeu admiração mútua. “Dona Tânia foi a atriz mais espetacular com quem trabalhei recentemente”, afirmou Moura.
A personagem Sebastiana, síndica do prédio onde se passa parte do longa, foi moldada especialmente para ela. A atriz explica que várias falas já faziam parte do seu cotidiano. “Me identifico com tudo da Sebastiana, até quando reclamo do buraco do gato”.
Segundo ela, o processo de decorar texto é simples: “A gente precisa escrever no papel para decorar rápido”. Algumas cenas exigiram mais esforço, como a que aparece no trailer do filme. “Tive de repetir umas dez vezes”, admite.
Após o Festival de Cannes de 2025, onde Kleber Mendonça Filho venceu como melhor diretor e Wagner Moura como melhor ator, críticos estrangeiros passaram a mencionar Tânia entre as possíveis indicadas ao Oscar. Assustada com o assédio, ela rejeita a ideia de fama. “Não quero ser famosa. Tenho medo”, afirma. Ainda assim, não descarta atravessar o oceano caso a indicação se confirme. “Mandando a passagem, embarco na hora.”
O reconhecimento coincidiu com uma mudança pessoal importante. Ela fumava cerca de 40 cigarros por dia havia seis décadas, mas deixou o vício após perceber que não conseguiria viajar dez horas de avião até Cannes. “Parei de vez. O último cigarro foi em 30 de maio.” A decisão marcou uma virada rara em sua rotina, celebrada pela família. No mesmo período, ela conheceu o presidente Lula em Brasília, encontro descrito como “bom demais”.
Mesmo diante da atenção repentina, Tânia Maria mantém a mesma vida. Continua produzindo cinco conjuntos de banheiro por dia, diz que não pretende aumentar os preços e tenta lidar com a repercussão nas redes sem criar expectativas: “Aceito as críticas negativas, mas ainda não encontrei nenhuma”.
Ao falar do Oscar, a resposta é direta: “Já tinha ouvido falar do Oscar, mas não sabia como ia pro Oscar. Pra mim, tanto faz”. Hoje, com passaporte pronto, ela aguarda apenas o que virá: “Vou pra Hollywood, se Deus quiser.”