
A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de limitar a aplicação automática de sanções impostas por governos estrangeiros no Brasil não impede que Alexandre de Moraes, também ministro do STF, sofra consequências práticas das medidas anunciadas pelos Estados Unidos com base na Lei Magnitsky. Com informações do Globo.
A avaliação de especialistas em Direito Internacional e sanções econômicas é que, embora continue tendo acesso a serviços bancários e outros instrumentos fornecidos por instituições brasileiras, Moraes pode enfrentar entraves para movimentações que envolvam bancos com atuação nos EUA, cartões internacionais e até plataformas digitais como WhatsApp e Netflix.
O que diz a Lei Magnitsky?
A Lei Magnitsky foi criada para punir pessoas físicas e jurídicas acusadas pelo governo dos EUA de violações de direitos humanos ou corrupção. Os alvos são escolhidos pelo presidente americano, com apoio de órgãos como o Departamento do Tesouro e o Departamento de Estado.
Em 2017, o então presidente Donald Trump regulamentou a legislação, explicitando que qualquer pessoa ou empresa sob jurisdição americana está proibida de fornecer “fundos, bens e serviços” aos sancionados.
As sanções determinam o bloqueio imediato de bens nos Estados Unidos, congelamento de contas bancárias, proibição de entrada no país e restrição ao uso do sistema financeiro americano, o que alcança inclusive transações em dólar.
Na prática, o que acontece quando alguém é sancionado?
Segundo especialistas, Moraes tem bens nos Estados Unidos bloqueados e não pode realizar movimentações em dólar. Também está sujeito a restrição de uso de cartões de crédito internacionais de bandeiras como Visa e Mastercard, sediadas nos EUA.
“A questão é se o banco tem operação nos EUA. O Banco do Brasil possivelmente não vai tomar esse risco”, afirma o ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral. Em caso de cartões contratados no Brasil, cabe ao banco responsável decidir se mantém ou suspende o serviço.
Há ainda impacto sobre contas em bancos de maior porte com atuação internacional, que precisariam avaliar se obedecem à decisão do STF ou ao veto americano para evitar punições por parte do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC).
Moraes pode receber salário, fazer Pix e movimentar conta no Brasil?
A decisão de Dino determina que bancos brasileiros não são obrigados a aplicar automaticamente sanções estrangeiras. Assim, Moraes segue recebendo salário pelo Banco do Brasil, responsável pela folha de pagamento do STF, que informou agir “em conformidade com a legislação dos mais de 20 países onde está presente”.
No entanto, se houver notificação do Tesouro americano, o banco terá de avaliar se cumpre a Lei Magnitsky ou a decisão do STF. Bancos menores que não têm representação nos EUA poderiam manter conta corrente do ministro sem risco de sofrer punições. Nesses casos, transações em reais, como Pix, estariam liberadas, enquanto qualquer operação que envolva dólares permanece vetada.
Ele poderá usar WhatsApp, Facebook e Netflix?
Como a Magnitsky se aplica a empresas americanas, Moraes teoricamente está impedido de assinar ou utilizar serviços de plataformas com sede nos EUA, como WhatsApp, Facebook, Instagram (todos da Meta) e Netflix.

O advogado Ricardo Inglez de Sousa explica que essas empresas monitoram movimentações digitais e financeiras e precisam restringir o acesso de sancionados, embora ainda não tenha sido confirmado se o ministro teve efetivamente o acesso bloqueado.
“É uma lei com aplicação principalmente no território americano, mas com componente extraterritorial que impede os alvos de ter, por exemplo, uma conta em streaming como a Netflix”, afirma.
Quais são as punições previstas para quem descumprir a lei americana?
Empresas ou pessoas físicas que mantiverem vínculos comerciais ou prestarem serviços a sancionados podem ser multadas em até US$ 250 mil na esfera cível e sofrer investigações criminais com penas que chegam a 20 anos de prisão.
O risco é especialmente relevante para bancos, empresas de tecnologia, companhias aéreas e prestadores de serviços com presença nos EUA, que podem ser incluídos na lista Magnitsky por fornecer “fundos, bens e serviços” a alvos de sanções. O OFAC é o órgão responsável por fiscalizar e aplicar punições.
Por que a decisão de Dino cria um dilema entre Brasil e EUA?
Ao determinar que sanções estrangeiras não têm aplicação automática no Brasil, Dino colocou os bancos em uma posição de conflito regulatório.
“Se essas instituições descumprirem a Lei Magnitsky, correm o risco de sanções que levem à perda de todos os seus negócios nos EUA”, pontua Ricardo Inglez de Souza.
Por outro lado, se suspenderem serviços a Moraes no Brasil, estão sujeitas a multa e processos no STF por descumprirem ordem judicial brasileira. Como o país não dispõe de legislação robusta para proteger atores nacionais de medidas extraterritoriais, a decisão expõe o setor financeiro a incertezas.
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O STF costuma barrar normas internacionais?
Especialistas destacam o caráter inédito da decisão de Dino. O Brasil normalmente evita impor barreiras formais a sanções estrangeiras e segue os embargos fixados pelo Conselho de Segurança da ONU. Em sanções americanas contra países como Irã, Venezuela e Coreia do Norte, o governo brasileiro já contornou pressões sem contrariá-las frontalmente.
Dino ressalvou que sua liminar não afeta decisões de tribunais internacionais como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas estabeleceu que medidas punitivas unilaterais, como a Magnitsky, precisam passar pelo crivo do Judiciário nacional antes de surtirem efeito.
As sanções têm prazo de validade?
Não há prazo determinado. O texto da lei define que cabe ao presidente dos Estados Unidos decidir, a qualquer momento, se mantém ou revoga as sanções “em caso de mudança significativa de comportamento” ou “após investigação adequada” sobre os fatos que motivaram a punição original.
Isso significa que Moraes seguirá sujeito às restrições enquanto a Casa Branca mantiver seu nome na lista. Até lá, o ministro poderá manter apenas serviços que não envolvam empresas sujeitas à jurisdição americana — ficando limitado, na prática, do cartão ao WhatsApp e Netflix.