Yes Brazil USA: quem está por trás do grupo evangélico que vende as palestras de Bolsonaro na Flórida

Atualizado em 12 de fevereiro de 2023 às 9:54
Bolsonaro recebe camiseta da Yes Brazil-USA. Reprodução: Facebook

Publicado originalmente no site da rádio e TV da Flórida WLRN

Mesmo antes de Jair Bolsonaro aparecer na Flórida este mês, o estado americano havia se tornado sua segunda casa. Em junho de 2022, Bolsonaro – então o presidente ultraconservador do Brasil – visitou Orlando e participou de uma motociata, um rali de motocicleta em sua homenagem, com centenas de brasileiros.

O evento de junho passado foi organizado pelo casal Larissa e Mario Martins, que lideram uma influente organização da brasileiros na cidade de Margate, chamada Yes Brazil USA.

Assim como Bolsonaro, o Yes Brazil USA é um movimento de direita e nacionalista cristão. Uma vitrine do apoio fervoroso e quase unânime que Bolsonaro desfruta entre os 163.000 imigrantes brasileiros da Flórida, que representam 20% dos brasileiros nos EUA

A maioria desses brasileiros na Flórida apóiam sua falsa alegação de que ele perdeu as eleições presidenciais por causa de um sistema eleitoral fraudulento – e apoiam seu golpismo contra Lula.

Portanto, não é surpresa que Bolsonaro tenha voado para a Flórida na véspera da posse de Lula em 1º de janeiro. Ele está hospedado nos arredores de Orlando, onde seus eleitores nos EUA costumam aparecer com suas camisas da Seleção Brasileira – cantam seus slogans e tiram selfies com ele.

Enquanto isso, grupos como o Yes Brazil USA têm organizado protestos pró-Bolsonaro em toda a Flórida – e, assim como o movimento trumpista Make America Great Again nos EUA, usam a retórica religiosa para racionalizar posturas como seu negacionismo eleitoral.

Seguidores da ONG saúdam presença de Trump e Bolsonaro, em 2020. Reprodução: Facebook

“Eu sei em meu coração que a Yes Brazil USA está fazendo a obra de Deus”, disse Larissa Martins, ao podcast da diáspora Brasil: Terra de Gigantes no início deste mês. Ela destacou que a organização foi criada logo após Bolsonaro ter sido esfaqueado durante a campanha presidencial de 2018 por Adélio Bispo.

O avô de Mario Martins, Antônio Pedro Martins, foi um senador brasileiro cujo partido apoiou a ditadura militar de direita de 1964-85, da qual Bolsonaro fala com carinho. Na entrevista ao Terra de Gigantes, Mario chamou o trabalho do Yes Brazil USA de “uma guerra espiritual contra forças malignas dentro e fora do Brasil”.

Em 8 de janeiro, milhares de seguidores de Bolsonaro invadiram os prédios do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto e conclamaram os militares a restaurá-lo no poder. Desde então, há a ideia de que grupos bolsonaristas nos EUA, como o Yes Brazil USA, podem estar em aliança com forças criminosas.

Um exemplo flagrante, dizem eles, é o do jornalista e influenciador de direita – e procurado pela Interpol- Allan dos Santos. “Os bolsonaristas na Flórida estão esquecendo que a lei brasileira ainda se aplica a Allan dos Santos”, diz Amanda Audi, do site Brazilian Report.

Amanda acompanhou de perto o caso de Santos – que se refugiou na Flórida, com apoio entusiástico de expatriados, porque enfrenta uma ordem de prisão no Brasil por, entre outras coisas, um vídeo cheio de palavrões que ele postou em 2020 em seu blog online Terça Livre.

Segundo o MPF, Dos Santos ameaçou um juiz do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, que estava investigando as campanhas de desinformação de Santos. “Em breve você verá o que vamos fazer com você!” Santos grita furiosamente em um trecho do vídeo.

Santos nega a acusação. Mas ele é conhecido no Brasil por usar redes como o Telegram para espalhar mentiras sobre a eleição, os rivais de Bolsonaro e a pandemia do COVID-19. Quando um dos ministros da saúde criticou o negacionismo de Bolsonaro – que, segundo os críticos, ajudou a fazer do Brasil o segundo país com mais mortes por COVID do mundo – o Terça Livre transmitiu mentiras de que ele era um pervertido sexual.

Amanda aponta que as autoridades brasileiras estão agora investigando o papel de Santos em incitar os manifestantes golpistas em Brasília. “Seu caso de extradição foi reaberto”, desde 8 de janeiro, diz ela. “Ele é um fugitivo.”

É por isso que Amanda questiona se grupos bolsonaristas como o Yes Brazil USA continuarão apoiando Santos – ele foi um dos convidados de honra na motociata realizada para Bolsonaro no em junho de 2022 em Orlando.

Larissa e Mario Martins se recusaram a comentar o assunto. Por e-mail, eles disseram que “repudiam” a violência de 8 de janeiro no Brasil – embora eles, como muitos bolsonaristas, sugiram que o caos foi causado por “infiltrados” esquerdistas. Eles dizem que Santos é inocente e também um “refugiado político”. Quase todos os bolsonaristas nos EUA concordam com essa visão.

Larissa e Mario Martins, líderes do Yes Brazil-USA. Reprodução

“O caso de Santos viola os direitos humanos”, diz o expatriado brasileiro Bruno Contipelli, de Miami, um importante bolsonarista que diz que os brasileiros em toda a Flórida têm feito doações para ajudar Santos como uma causa npobre.

Contipelli argumenta que juízes e promotores federais no Brasil muitas vezes lutam contra o problema desenfreado de desinformação do país politicamente polarizado, violando os direitos de liberdade de expressão – especialmente os direitos de figuras pró-Bolsonaro.

“O Supremo Tribunal Federal é contra Bolsonaro”, diz Contipelli, “então está tornando Santos um criminoso – tornando a opinião um crime”.

Muitos observadores do Brasil admitem que seu sistema judicial atualmente corre o risco de cruzar essa linha – especialmente quando juízes como o ministro da Suprema Corte, Alexandre de Moraes, que também chefia o mais alto tribunal eleitoral do Brasil e lidera a investigação sobre desinformação eleitoral, sentem que foram insultados.

“Eles estão se aventurando em um território realmente perigoso”, algo que deixaria alarmados os defensores da Primeira Emenda dos EUA, diz Anthony Pereira, brasileiro e diretor do Centro para América Latina e Caribe da Florida International University.

Mas Pereira diz que isso não desculpa figuras como Santos – e Bolsonaro – de usar mentiras para inflamar multidões golpistas no Brasil.

General Heleno, em evento na Yes Brazil-USA. Reprodução: Facebook

Tampouco isenta os brasileiros nos EUA de promover o que ele chama de “desinformação antidemocrática”, especialmente porque os bolsonaristas do Brasil admiram a comunidade bolsonarista nos EUA. Ele aponta que um foco do bolsonarismo no Rio de Janeiro, a Barra da Tijuca, ostenta uma réplica da Estátua da Liberdade e se considera a “Miami brasileira”.

“É impressionante como os brasileiros na Flórida desempenham um papel descomunal – e realmente aumentam a mensagem hardcore de Bolsonaro dentro do Brasil”, diz Pereira. “Me pergunto se eles percebem que abraçar o negacionismo eleitoral mina o Estado de Direito democrático que eles afirmam estar tentando proteger no Brasil.”

Ele acredita que essa influência pode ser uma das razões pelas quais os manifestantes bolsonaristas de 8 de janeiro emularam o violento ataque de 6 de janeiro de 2021 por partidários do ex-presidente Donald Trump ao Congresso dos EUA. Não é coincidência que extremistas bolsonaristas como Santos tenham sido mentorados por muito tempo por gente como Steve Bannon, condenado no ano passado por desacato ao Congresso.

A Flórida continuará sendo um ponto focal do bolsonarismo fora do Brasil. Isso ficou claro quando o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres – que na época dos ataques de 8 de janeiro era o ministro da Segurança do Distrito Federal – partiu de forma suspeita para a Flórida na véspera do ataque.

Enquanto Torres esteve aqui este mês, as autoridades brasileiras o acusaram de permitir deliberadamente os ataques aos prédios do governo. Torres nega a acusação.

Em uma busca em sua casa, a Polícia encontrou um documento que é essencialmente um projeto de um golpe apoiado pelos militares para restaurar Bolsonaro ao poder. Ele não nega a existência do rascunho de golpe, mas insiste que isso nunca foi um plano sério. Quando Torres voltou ao Brasil no fim de semana passado, foi imediatamente preso.

Quanto a Bolsonaro, a Suprema Corte do Brasil está investigando seu papel em atiçar os ataques de 8 de janeiro. Ele disse que deixará a Flórida até o final de janeiro – mas não indicou se voltará ao Brasil ou se ficará em outro país. Nenhuma motociata em apoio a ele parece ter sido planejada para ele até agora.

Tradução: Charles Nisz

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