Zanatta cria ‘frente parlamentar’ contra censura enquanto processa e propõe prisão de seus críticos

Atualizado em 5 de dezembro de 2024 às 17:42
Site alinhado a Jair Bolsonaro dá conta da frente criada por Julia Zanatta, mas não conta que ela quer pena de prisão para quem chamá-la de nazista (crédito: reprodução)

A deputada federal Julia Zanatta (PL-SC), que assumiu na última quarta-feira a presidência da recém-criada Frente Parlamentar em Defesa da Liberdade de Expressão, relatou e aprovou em comissão projeto de lei que prevê pena de até cinco anos de reclusão (prisão em regime fechado) a quem “acusar alguém, falsamente, por qualquer meio, de ser nazista”.

Em entrevista na última terça-feira (3) a um site de notícias alinhado ao bolsonarismo, a catarinense justificou a criação da frente parlamentar afirmando que a liberdade de expressão “é um direito humano”. “Segundo a deputada, todos devem ter a liberdade de expressar o que pensam. Por esse motivo, ela vai lutar para garantir que todo brasileiro usufrua dessa garantia”, explica a equipe de comunicação da catarinense, em seu site particular.

A defesa intransigente do direito de falar tudo o que se pensa, para a parlamentar, porém, tem limite. E o limite é chamá-la, ou a seus colegas, de nazistas.

No dia 14 de fevereiro de 2022, a deputada federal Bia Kicis encabeçou uma lista de sete deputados bolsonaristas na autoria do Projeto de Lei 254/22, que prevê prisão de até cinco anos por “Acusar alguém, falsamente, por qualquer meio, de ser nazista”.

Projeto de lei relatado por Julia Zanatta na CCJ: cadeia a quem acusá-la de ser nazista (crédito: Câmara dos Deputados)

Além de Bia Kicis, são autores da proposta os seguintes parlamentares, todos ferrenhos defensores da liberdade de expressão irrestrita: Carla Zambelli (PL-SP), Alê Silva (Republicanos-MG), Bibo Nunes (PL-RS), Junio Amaral (PL-MG), Daniel Silveira (PL-RJ. Este acabou preso posteriormente por incitar crimes e ofender autoridades) e Guiga Peixoto (PSC-SP).

Na Comissão de Constituição e Justiça, a relatora do projeto foi Julia Zanatta.

Julia Zanatta relata projeto na CCJ para impor prisão a quem fizer “falsa acusação de nazismo” (crédito: Câmara dos Deputados)

Em seu relatório, a congressista asseverou “que o conteúdo da proposição é bastante oportuno, razão pela qual merece prosperar“. Destacou, ainda, a deputada:

“O nazismo foi um regime totalitário e sanguinário, que cerceou liberdades e, o mais grave, assassinou, cruelmente, milhões de pessoas. Claro que chamar alguém de nazista ofende a honra da pessoa, configurando, a depender do contexto, um ou mais crimes (injúria e difamação).”

A presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Liberdade de Expressão teve o cuidado de incluir no que tipificava como crime as charges e manifestações de cunho humorístico:

“Nenhum cidadão pode ser banalmente chamado, nem por humor ou charge, de nazista, como tem sido feito a miúde (sic)!

É uma imputação gravíssima, incomparável, sem precedentes. Excede qualquer direito ou liberdade democrática e, pode sim, configurar crime e ilícito civil.

Muitas vezes palavras lançadas agridem mais que armas, causando feridas que não cicatrizam jamais. Resta ao Parlamento, nesses casos, agravar as consequências legais dessas atitudes irresponsáveis.

O projeto de lei segue em tramitação no Congresso Nacional, mas a deputada tem pressa. Conforme revelou o DCM, em dezembro do ano passado, Zanatta ingressou com uma queixa-crime contra o youtuber Thiago dos Reis por suposta difamação por meio de redes sociais, cuja pena máxima prevista é de três anos de detenção. Ela perdeu.

De acordo com a parlamentar, Thiago dos Reis tinha ferido sua honra ao dizer que ela faz uso de uma tiara florida igual as que “usavam NAZISTAS, mas é só coincidência, tá?”

Já na última quarta-feira (4), discursando sobre a frente parlamentar que acabara de criar, Zanatta disse que:

“A liberdade de expressão não é um favor concedido, é um direito essencial e natural. Sem ela, as decisões deixam de ser baseadas na verdade e passam a refletir apenas os interesses daqueles que detêm o poder.

A liberdade de expressão precisa prevalecer sobre narrativas e censura. Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir.”

Ainda no mesmo discurso, ela disse: “É hora de reafirmarmos nosso compromisso com a liberdade de expressão para fortalecer o debate e lutar pela democracia brasileira.”

Julia Zanatta quer impedir Conselho dos Direitos da Criança de debater o tema “aborto”

Para a deputada Julia Zanatta, porém, “fortalecimento do debate” tem limite. No dia 7 de novembro deste ano, a parlamentar apresentou o Projeto de Lei 4296/24, para “vedar ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) a discussão e o tratamento do tema do aborto em crianças e adolescentes.”

Assim ela defendeu sua proposta normativa:

Permitir que um conselho consultivo discuta e potencialmente influencie temas dessa natureza pode ultrapassar o seu papel, que é auxiliar na formulação de políticas públicas sem tomar decisões em áreas de competência exclusiva do Poder Legislativo.

Este projeto de lei tem como objetivo assegurar que o Conanda respeite os limites, sem avançar em temas como o aborto. Dessa forma, busca-se preservar a transparência, a representatividade e a legalidade nos debates sobre direitos fundamentais.”

Julia Zanatta defende o fortalecimento do debate livre no Brasil, mas nçao quando o tema é aborto (crédito: Câmara dos Deputados)


Deputada processa jornalistas e veículos que a criticam e foge de audiência com o DCM

A presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Liberdade de Expressão defende que, “Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir”, mas essa liberdade tem limite.

A parlamentar é recordista em processos na Justiça em que pede indenizações, multas e até prisão de jornalistas ou contra veículos que a critiquem.

No último dia 28, reportagem do DCM mostrou que o STF (Supremo Tribunal Federal) cassou, no dia 27 de novembro, decisão da Justiça de Santa Catarina que havia retirado do ar a reportagem “Deputada Julia Zanatta posta foto com metralhadora e incita violência contra Lula: ‘Não podemos baixar a guarda’”, publicada originalmente no DCM no dia 18 de março de 2023, pela jornalista Caroline Saiter. O conteúdo já está integralmente de volta ao ar.

Ela processava este e outros veículos por terem informado que a parlamentar estava ameaçando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao publicar em suas redes uma foto sua empunhando uma metralhadora, usando uma camiseta com o desenho de uma mão com quatro dedos (faltando o mindinho) cravejada de balas, e dizendo: “Venha aqui buscar (a minha arma)”. Veja abaixo.

Postagem de Julia Zanatta, de março de 2023 (crédito: reprodução)

Só neste episódio, a deputada processou nada menos do que 12 veículos de imprensa e jornalistas, todos por dizerem que sua postagem pode ser vista como uma ameaça. Porque tudo tem limite.

Ela vem perdendo todas as ações, tanto para o DCM quanto para os demais acusados, entre eles os influenciadores Guga Noblat e Felipe Neto, que chegaram a chamá-la de “Barbie Fascista”. Processou os dois, perdeu para os dois, os juízes consideravam que se tratava de liberdade de expressão. Veja aqui e aqui.

Este não é o único processo de Zanatta com o objetivo de censurar reportagens do DCM. Há outros cinco em tramitação. Em um deles, uma audiência de conciliação havia sido agendada pelos advogados do site e da parlamentar para a última terça-feira (3).

“Cancelei meus compromissos pessoais neste dia, deixei de participar de live no canal do DCM, acionei e paguei as horas de trabalho dos nossos advogados para participarem da audiência. Levamos a sério as demandas judiciais que temos, porque acreditamos na Justiça e no nosso trabalho”, diz Kiko Nogueira, diretor do DCM.

Faltando pouco mais de uma hora para a audiência, a deputada avisou que não poderia ir, alegando problemas de agenda.

Julia Zanatta falta em audiência judicial em um dos processos que move contra o DCM (crédito: TJ-SC)

Assim segue a presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Liberdade de Expressão. Porque liberdade de expressão pode até ter limite, mas ela, não.