
A deputada federal Julia Zanatta (PL-SC), que assumiu na última quarta-feira a presidência da recém-criada Frente Parlamentar em Defesa da Liberdade de Expressão, relatou e aprovou em comissão projeto de lei que prevê pena de até cinco anos de reclusão (prisão em regime fechado) a quem “acusar alguém, falsamente, por qualquer meio, de ser nazista”.
Em entrevista na última terça-feira (3) a um site de notícias alinhado ao bolsonarismo, a catarinense justificou a criação da frente parlamentar afirmando que a liberdade de expressão “é um direito humano”. “Segundo a deputada, todos devem ter a liberdade de expressar o que pensam. Por esse motivo, ela vai lutar para garantir que todo brasileiro usufrua dessa garantia”, explica a equipe de comunicação da catarinense, em seu site particular.
A defesa intransigente do direito de falar tudo o que se pensa, para a parlamentar, porém, tem limite. E o limite é chamá-la, ou a seus colegas, de nazistas.
No dia 14 de fevereiro de 2022, a deputada federal Bia Kicis encabeçou uma lista de sete deputados bolsonaristas na autoria do Projeto de Lei 254/22, que prevê prisão de até cinco anos por “Acusar alguém, falsamente, por qualquer meio, de ser nazista”.

Além de Bia Kicis, são autores da proposta os seguintes parlamentares, todos ferrenhos defensores da liberdade de expressão irrestrita: Carla Zambelli (PL-SP), Alê Silva (Republicanos-MG), Bibo Nunes (PL-RS), Junio Amaral (PL-MG), Daniel Silveira (PL-RJ. Este acabou preso posteriormente por incitar crimes e ofender autoridades) e Guiga Peixoto (PSC-SP).
Na Comissão de Constituição e Justiça, a relatora do projeto foi Julia Zanatta.

Em seu relatório, a congressista asseverou “que o conteúdo da proposição é bastante oportuno, razão pela qual merece prosperar“. Destacou, ainda, a deputada:
“O nazismo foi um regime totalitário e sanguinário, que cerceou liberdades e, o mais grave, assassinou, cruelmente, milhões de pessoas. Claro que chamar alguém de nazista ofende a honra da pessoa, configurando, a depender do contexto, um ou mais crimes (injúria e difamação).”
A presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Liberdade de Expressão teve o cuidado de incluir no que tipificava como crime as charges e manifestações de cunho humorístico:
“Nenhum cidadão pode ser banalmente chamado, nem por humor ou charge, de nazista, como tem sido feito a miúde (sic)!
É uma imputação gravíssima, incomparável, sem precedentes. Excede qualquer direito ou liberdade democrática e, pode sim, configurar crime e ilícito civil.
Muitas vezes palavras lançadas agridem mais que armas, causando feridas que não cicatrizam jamais. Resta ao Parlamento, nesses casos, agravar as consequências legais dessas atitudes irresponsáveis.
O projeto de lei segue em tramitação no Congresso Nacional, mas a deputada tem pressa. Conforme revelou o DCM, em dezembro do ano passado, Zanatta ingressou com uma queixa-crime contra o youtuber Thiago dos Reis por suposta difamação por meio de redes sociais, cuja pena máxima prevista é de três anos de detenção. Ela perdeu.
De acordo com a parlamentar, Thiago dos Reis tinha ferido sua honra ao dizer que ela faz uso de uma tiara florida igual as que “usavam NAZISTAS, mas é só coincidência, tá?”
Já na última quarta-feira (4), discursando sobre a frente parlamentar que acabara de criar, Zanatta disse que:
“A liberdade de expressão não é um favor concedido, é um direito essencial e natural. Sem ela, as decisões deixam de ser baseadas na verdade e passam a refletir apenas os interesses daqueles que detêm o poder.
A liberdade de expressão precisa prevalecer sobre narrativas e censura. Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir.”
Ainda no mesmo discurso, ela disse: “É hora de reafirmarmos nosso compromisso com a liberdade de expressão para fortalecer o debate e lutar pela democracia brasileira.”
Julia Zanatta quer impedir Conselho dos Direitos da Criança de debater o tema “aborto”
Para a deputada Julia Zanatta, porém, “fortalecimento do debate” tem limite. No dia 7 de novembro deste ano, a parlamentar apresentou o Projeto de Lei 4296/24, para “vedar ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) a discussão e o tratamento do tema do aborto em crianças e adolescentes.”
Assim ela defendeu sua proposta normativa:
“Permitir que um conselho consultivo discuta e potencialmente influencie temas dessa natureza pode ultrapassar o seu papel, que é auxiliar na formulação de políticas públicas sem tomar decisões em áreas de competência exclusiva do Poder Legislativo.
Este projeto de lei tem como objetivo assegurar que o Conanda respeite os limites, sem avançar em temas como o aborto. Dessa forma, busca-se preservar a transparência, a representatividade e a legalidade nos debates sobre direitos fundamentais.”

Deputada processa jornalistas e veículos que a criticam e foge de audiência com o DCM
A presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Liberdade de Expressão defende que, “Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir”, mas essa liberdade tem limite.
A parlamentar é recordista em processos na Justiça em que pede indenizações, multas e até prisão de jornalistas ou contra veículos que a critiquem.
No último dia 28, reportagem do DCM mostrou que o STF (Supremo Tribunal Federal) cassou, no dia 27 de novembro, decisão da Justiça de Santa Catarina que havia retirado do ar a reportagem “Deputada Julia Zanatta posta foto com metralhadora e incita violência contra Lula: ‘Não podemos baixar a guarda’”, publicada originalmente no DCM no dia 18 de março de 2023, pela jornalista Caroline Saiter. O conteúdo já está integralmente de volta ao ar.
Ela processava este e outros veículos por terem informado que a parlamentar estava ameaçando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao publicar em suas redes uma foto sua empunhando uma metralhadora, usando uma camiseta com o desenho de uma mão com quatro dedos (faltando o mindinho) cravejada de balas, e dizendo: “Venha aqui buscar (a minha arma)”. Veja abaixo.

Só neste episódio, a deputada processou nada menos do que 12 veículos de imprensa e jornalistas, todos por dizerem que sua postagem pode ser vista como uma ameaça. Porque tudo tem limite.
Ela vem perdendo todas as ações, tanto para o DCM quanto para os demais acusados, entre eles os influenciadores Guga Noblat e Felipe Neto, que chegaram a chamá-la de “Barbie Fascista”. Processou os dois, perdeu para os dois, os juízes consideravam que se tratava de liberdade de expressão. Veja aqui e aqui.
Este não é o único processo de Zanatta com o objetivo de censurar reportagens do DCM. Há outros cinco em tramitação. Em um deles, uma audiência de conciliação havia sido agendada pelos advogados do site e da parlamentar para a última terça-feira (3).
“Cancelei meus compromissos pessoais neste dia, deixei de participar de live no canal do DCM, acionei e paguei as horas de trabalho dos nossos advogados para participarem da audiência. Levamos a sério as demandas judiciais que temos, porque acreditamos na Justiça e no nosso trabalho”, diz Kiko Nogueira, diretor do DCM.
Faltando pouco mais de uma hora para a audiência, a deputada avisou que não poderia ir, alegando problemas de agenda.

Assim segue a presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Liberdade de Expressão. Porque liberdade de expressão pode até ter limite, mas ela, não.