“Zema dizimou a política ambiental”, diz especialista ao DCM sobre tragédia em Minas

Atualizado em 8 de janeiro de 2022 às 20:28
Rocha desaba sobre lanchas em Capitólio, Minas Gerais

As fortes chuvas que caem em boa parte do estado de Minas Gerais causaram um rastro de destruição neste final de semana. Em Capitólio, no sul do estado, um pedaço de rocha de um cânion se desprendeu e atingiu embarcações que estavam no local, deixando 6 pessoas mortas e 23 feridas.

Em Nova Lima, na região de Belo Horizonte, um dique transbordou deixando parte da BR-040 interditada. Houve deslizamento de terra em rodovias de Sarzedo, Brumadinho e no Anel Rodoviário de BH.

Um dique da mineradora Vallourec transbordou invadindo as pistas da rodovia. Não houve feridos, mas a recuperação da pista só poderá ser realizada com a melhora das chuvas. O Corpo de Bombeiros afirma que não se trata do rompimento de uma barragem, mas do transbordamento de uma estrutura menor, de contenção de águas da mina Pau Branco, que não suportou o volume de água que atingiu a região.

O engenheiro civil e ambiental Mauro da Costa Val contesta essa versão e afirma que a pista da BR-040 foi destruída. Ele denuncia os riscos ambientais em Minas desde 2007. Para Mauro, o desmonte das políticas públicas para o meio ambiente estão na origem de eventos como o rompimento do dique na BR-040 e a queda de uma rocha no Lago de Furnas.

Confira abaixo a entrevista que ele concedeu ao DCM.

DCM – O que está acontecendo em Minas?

Mauro da Costa Val – O que está acontecendo em Minas é fruto de uma política de Estado que dizimou os órgãos ligados ao Meio Ambiente, os Comitês de Bacia, o IGAM [Instituto Mineiro de Gestão de Águas]. Muito antes de Bolsonaro acabar com a política de meio ambiente no Brasil, o governo Zema [Romeu Zema] já havia acabado com toda política para o meio ambiente em Minas. Quem manda no governo de Minas são os empresários. É a FIEMG [Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais] e as mineradoras. A queda de barreiras, o transbordamento do dique na BR-040, é tudo fruto do descaso com o meio ambiente em Minas.

A queda da parede do cânion em Capitólio também é reflexo do descaso com as políticas ambientais?

Se aquilo já dava sinais que iria cair desde 2012 e ninguém fez nada, é claro que mostra uma falta de Estado, de governo, em todos os sentidos. Muitas pessoas visitam o Lago de Furnas todos os anos e nunca ninguém falou que aquilo poderia cair e causar essa tragédia. Por que a Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros não disseram nada?

O senhor é especialista nesse tipo de desastre?

Acabei ficando por causa do que está ocorrendo aqui de alguns anos para cá. Já trabalhava na área há quase 25 anos. Sou engenheiro civil, sanitarista e ambiental. Mestre pela UFMG. Fui membro do Conselho Estadual de Política Ambiental e do Conselho Estadual de Recursos Hídricos.

O que aconteceu na BR-040? 

Os órgãos públicos, a exemplo da Defesa Civil de Nova Lima, tentaram minimizar e esconder as dimensões do que ocorreu na BR-040 por causa de uma estrutura de contenção de rejeitos de mineração da Vallourec – Mina de Pau Branco. No começo da manhã, a Defesa Civil dizia ser possível limpar a pista e reabri-la ao tráfego, mas uma das pistas foi destruída. Afundou mais de 5 metros. Foi um volume significativo de lama a escoar nas pistas da BR e através das pistas da BR, durante vários e vários minutos.

Nenhum dique pequeno tem volume de lama capaz de causar danos comprovados pelas imagens. Inclusive a sirene [de alerta de rompimento da barragem] foi acionada pelo pessoal operacional. A BR-040 rompeu, ou seja, a rodovia federal erodiu com a energia das águas. Fecharam a Rodovia alguns quilômetros antes. Impedem acesso de qualquer cidadão. E não mostram imagens nem vídeos.

Poderia ter sido mais grave?

Não foi maior porque, neste caso, não há comunidades abaixo, na linha de drenagem natural por onde escoou a lama. No entanto, é mais um aviso. Há várias barragens (e demais estruturas como diques etc.) que têm comunidades abaixo, ou seja, na linha de drenagem natural por onde a lama escoa no caso de rompimento, transbordamento. Significa grande número de mortes, em potencial.

Devido às mudanças climáticas, os eventos críticos, como chuvas extremas, têm se mostrado mais intensos e menos frequentes. Ou seja, mais intensos, mas reduzidos em período de tempo de sua ocorrência. Para isto [se evitar], estes novos paradigmas têm que ser considerados. Por todos que tratam do tema, em todas as escala ou funções. Para isso é necessário política pública, diretrizes. Começamos a comunicar os riscos na Bacia do Paraopeba em 2007. Eu enviei à Corregedoria, à Procuradoria e ao Conselho de Ética uma representação, toda documentada, denunciando a ingerência em órgãos como o IGAM e o CBH-Parauapebas e também na Secretaria do Meio Ambiente. Ninguém fez nada. A denúncia agora está no Ministério Público.