As lições de Pepe Mujica para o Brasil em crise. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 27 de abril de 2016 às 18:08
"Derrota é sentir-se impotente"
“Derrota é sentir-se impotente”

 

 

Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, deu uma entrevista a blogueiros na manhã do dia 27 no Instituto Barão de Itararé, administrado com sobeja competência por Miroslav Dutra, o homem, o mito. O DCM estava lá.

Mujica decepcionou quem esperava palavras de ordem inflamadas contra o impeachment. Sequer tocou no termo “golpe”.

Dilma foi mencionada de raspão. Perguntado sobre o que faria no lugar dela, respondeu: “Se eu fosse Dilma… Pobre Dilma. Não posso dizer o que eu faria no lugar dela. Tenho medo que não me entenda”.

Ao invés disso, ofereceu uma visão mais profunda e mais sábia do momento por que passa o Brasil. Pode ser resumida no seguinte: “Apesar de nunca termos triunfado completamente, os únicos derrotados são os que deixam de lutar. A derrota é sentir-se impotente.”

Sic transit gloria mundi. A glória do mundo é efêmera. A perda também.

Mujica está olhando para a frente, não para trás. Aos 80 anos, vestido com um moletom azul, ele abriu com um discurso com a voz relativamente baixa e frágil, errando o microfone à sua frente.

Minutos depois, o microfone não era mais necessário. O ex-presidente do Uruguai, atual senador pelo Movimento de Participação Popular, é um apóstolo da política e, portanto, gosta de falar. Sua pregação é sua força.

Enquanto parecemos afundados num pântano de traições, de toma lá dá cá, de um noticiário miserável, numa situação que não terá um desfecho tão cedo, em que a democracia parece desabar, ele traz a noção de transcendência.

“Nunca triunfamos totalmente na vida. Não há um prêmio. O prêmio da vida é viver com uma causa, com sentimento”, diz.

“Como qualquer animal, temos uma cota de egoísmo e outra de solidariedade. Andamos com essa contradição. Se fôssemos perfeitos, se fôssemos deuses, não precisaríamos da política.”

Mas a política não é uma profissão para enriquecer. “É uma paixão. Não quero dizer que não haja interesses. Mas, se a política é expressão da maioria, temos que viver como a maioria, não como a minoria”.

“Tenho, seguramente, um monte de defeitos. Mas tenho autoridade para dizer essas coisas. Vou morrer feliz porque vivo como penso e para o que penso.”

Essa reivindicação foi dos poucos momentos em que usou a primeira pessoa. Ao abordar questões como a legalização do aborto e das drogas no Uruguai, poderia, eventualmente, ter se jactado de ser o autor desses avanços.

O personalismo, que seria natural, não é seu estilo. Explicou que seu país é “pequenininho”, “não é milagroso” e tem uma longa tradição de liberalidade em diversas áreas.

Nos anos 20, reconheceu o voto das mulheres e o divórcio. Foi pioneiro em assegurar os direitos das prostitutas. Por anos, o estado foi produtor de bebida alcoólica para evitar que a população tomasse uma aguardente derivada da madeira, altamente prejudicial à saúde.

“O povo brasileiro não vai perder tudo”, acredita. “A própria direita tem de negociar, de ceder. Não é uma análise simples”.

Para ele, a classe média “vive com medo”, especialmente nas crises. “Se são alemães, a culpa é dos judeus.” Seu assombro com o Brasil se dá por ser tão “hermoso”, mas também com relação ao número de agremiações partidárias.

“Como governar com 30, 40 partidos? É impossível que vocês tenham 30 projetos políticos. Isso não pode dar certo.”

Ele encontrou um conceito para suas atuais preocupações com a América Latina: “humildade estratégica”. Não no sentido de se autoflagelar, mas de aprender com os erros e seguir adiante. “Agora é tempo de lutar”, insiste.

Os uruguaios fizeram sua Lei de Meios. Mas ele não tem ilusões. “A direita tem o monopólio da comunicação. Algum dia eu suponho que vocês reformarão isso.”

Prosseguiu: “As empresas de comunicação são empresas. De que vivem? Vivem do lucro. Quem são os grandes clientes? Obviamente não são de esquerda. Os meios são da direita. É uma consequência e é um problema. Não existe a neutralidade, isso é mentira. No dia em que esses meios estiverem do nosso lado, é porque mudamos de lado”.

Mujica já se definiu como um “Quixote disfarçado de Sancho”. É uma espécie de filósofo rei milongueiro que virou, também, um popstar improvável. Não chega, ainda, a andar com seguranças, mas tem de entrar e sair rapidamente dos locais onde se apresenta para evitar aglomerações e o assédio dos fãs que querem tirar uma selfie com ele.

Fala o óbvio, mas o óbvio é frequentemente o mais difícil de se ver: “Há que ter coragem de voltar a começar, sempre. Aprender com os erros e voltar a começar, tentar fazer o melhor, ter perseverança. Isso vai passar”.

 

Captura de Tela 2016-04-27 às 17.40.31