Como Atibaia se transformou com a descoberta do “sítio do Lula”. Por Pedro Zambarda

Atualizado em 2 de abril de 2016 às 11:38
Rosana, vizinha ao sítio: "Aqui perto a paz acabou"
Rosana, vizinha ao sítio: “Aqui perto a paz acabou”

 

— Aqui perto do sítio do Lula a paz acabou. O movimento ficou mais intenso e era um lugar de gente comum. Isso tudo me incomoda bastante”.

Rosana Silva Santos é dona de casa, empregada doméstica e vizinha da propriedade atribuída ao ex-presidente. Mora no bairro do Portão em Atibaia há pelo menos 41 anos.

“Não conseguíamos nem descansar naquele dia [da operação que incluiu a condução coercitiva de Lula]. A gente não conseguia dormir com o barulho dos helicópteros”, disse a jovem Mariana, de 14 anos, filha de Rosana. Ela é irmã de Maria Vitória e de Euler.

Rosana tem seis filhos e reclama que todos estudam em escola pública enquanto Lula tem um sítio vizinho a casa dela para descansar. Diz que eles não têm material escolar regular, comprado com o pouco dinheiro que consegue de trabalhos em outras casas. “Mas tenho aqui pelo menos o sossego de ficar na porta da minha casa enquanto converso mesmo com as pessoas. O problema é que essa situação toda tira a nossa calma, né?”.

No dia 4 de março, a Polícia Federal fez uma operação que envolveu mais de 200 agentes. Parte deles fez uma devassa no sítio, procurando bens do Palácio do Planalto e mais indícios das reformas feitas por empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato.

Como Rosana, outros moradores falam que carros pretos “da PF” fazem visitas periódicas ao local. “Essa região aqui tem casa de pedreiro, de alguns trabalhadores de São Paulo. É lugar de gente simples”, ela relata.

Atibaia fica a 50 quilômetros de São Paulo. É famosa por suas flores e pelos morangos e tem aproximadamente 137 mil habitantes. Dá para andar de teleférico lá como em Campos do Jordão, mas sem o mesmo charme.

A cidade é bonita e cercada por montanhas, mas tem poucas atrações turísticas para visitantes mais exigentes. Ali ficam a Represa da Usina, o Complexo Parque das Águas, Monumento Natural Estadual da Pedra Grande e igrejas barrocas. O centro é cortado pelas Avenidas Joviano Alvim e Jerônimo de Camargo.

Quem quiser fazer voo de asa delta nas montanhas, terá que desembolsar R$ 400. É um destino interessante para quem quer apreciar a natureza, enquanto os moradores preferem o sossego. Cavalos passam nas ruas do centro da cidade até depois das 22hrs.

O Bourbon Atibaia Convention & Spa Resort é disputado. Pertence a uma rede de hotéis que também está em Alphaville e Curitiba.

A renda per capita é de R$ 1.063,52. A informação é do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) das regiões metropolitanas do Brasil.

Atibaia deveria estar comovida ou agitadíssima com as notícias das investigações da Polícia Federal contra Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, quem não está na vizinhança do Santa Bárbara evita tocar no assunto.

Embora apareça na imprensa em fotos aéreas como uma propriedade luxuosa, ela está na parte mais pobre da região. Em frente, há um condomínio fechado chamado Clube da Montanha. Ali os condôminos têm vigias, uma grande lagoa e uma segurança reforçada.

O Santa Bárbara pertence a Fernando Bittar, filho de Jacó Bittar, fundador do PT. O outro proprietário é o empresário Jonas Suassuna. Os dois são sócios de Fábio Luís da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente.

Nas investigações, os donos são acusados de ser “laranjas”, o que a defesa nega.

A PF na operação do dia 4 de março
A PF faz busca e apreensão na operação do dia 4 de março

 

Uma reforma calculada em R$ 1 milhão envolveria as empresas Odebrecht e OAS. O imóvel foi comprado por R$ 1,5 milhão em outubro de 2010. Os policiais federais tentam estabelecer uma relação entre o sítio e as construtoras da Lava Jato.

Nos grampos divulgados por Moro durante a semana do dia 16 de março, o prefeito carioca Eduardo Paes diz a Lula que ele nunca perdeu sua “alma de pobre”.  “Agora, da próxima vez o senhor me pára com essa vida de pobre, comprando esses barcos de merda e sitiozinho vagabundo”, afirma.

Uma antena da operadora Oi, apontada pelo jornal Valor Econômico como um presente ao ex-presidente, fica a 150 metros. O jornal diz que o serviço telefônico é “quase exclusivo” para o sítio de Lula.

O meu celular, da marca Claro, não funcionou ali. A reportagem do Valor não dá nomes de algumas fontes que deram depoimentos sobre a antena. Os comentários parecem os dos leitores de portal, que acreditam que Lulinha é “dono da Friboi”.

“Na verdade, o comentário é assim, ó: a Odebrecht deu de presente esse sítio em troca de favor que eles, o Lula, tiveram. Aí, o filho do Lula, que parece que tem alguma participação na Oi, pra falar sempre com o pai… Quando o pai vinha aqui não tinha como falar, né?”, diz um anônimo no texto.

Os especialistas consultados pelo jornal que disseram que o sinal da antena era exclusivo ao ex-presidente também não tiveram suas identidades reveladas. Essa informação, no entanto, é falsa.

Ao conversar com a família de Rosana, vi todos utilizando smartphones perto da casa e na rua. Perguntei se era o sinal da Oi e eles disseram que sim. “A família do Lula que trouxe internet e outras coisas pra cá. Antes não tinha nada”. Sem a antena, os moradores tinham que descer a estrada dos sítios pra usar a rede 3G.

No centro, nem investigadores da Delegacia da Polícia Civil e nem policiais militares sabiam a localização do sítio. Na Rua Napoleão Ferro, que fica próxima à delegacia, está o Bar do Neves. Lá dentro, um oficial de Justiça que se identificou pelo nome de Antônio me falou de outros casos políticos.

“O prefeito de Atibaia, Saulo Pedroso (PSD), recentemente foi afastado e o vice é ligado com o deputado Fernando Capez, aquele do roubo da merenda escolar. O Fórum da cidade começou a afundar por causa das chuvas e era uma obra superfaturada dele”, disse.

O vice-prefeito que ele mencionou é Mário Inui, que aparece cantando o Hino Nacional com o deputado estadual tucano Fernando Capez em um vídeo de 2013 gravado na 30º Festa das Flores e do Morango de Atibaia, que acontece anualmente no mês de setembro.

Outros vizinhos do sítio não toparam dar entrevista ao serem perguntados sobre o ex-presidente. Diziam ter medo de represálias políticas. Embora frequente o noticiário, Atibaia não pegou fogo e nem mudou sua rotina de maneira radical.

Se a capital federal ferve com cinco mil minipatos infláveis da campanha de Paulo Skaf, os pedalinhos de Dona Marisa enferrujam solitários no interior de São Paulo.

 

O teleférico da cidade
O teleférico da cidade