“Ninfomaníaca” é pornô, arte — ou só uma provocação vazia de uma mente doentia?

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 16:28

 

Lars von Trier é o arquiteto de uma coleção de provocações cinematográficas disfarçadas de arte. Seus filmes exploram as emoções humanas tanto quanto os atores que servem suas fantasias dementes. Depressivo, claustrofóbico e maníaco, von Trier se compraz em oferecer uma interpretação distorcida da personalidade humana. Filmes como “Dançando no Escuro”, “Dogville”, “Anticristo” e “Melancolia” — saudados como obras-primas por alguns, abominações por outros — são exercícios de auto-indulgência.

Sua visão de mundo abraça a tortura psicológica e física, a mutilação vaginal, o fanatismo religioso, o fascismo e outras formas de perversão.

Seu último filme, “Ninfomaníaca”, estrelado por Charlotte Gainsbourg, é um caso gritante nesse sentido. Na sua primeira exibição, os observadores da mídia internacional fizeram acrobacias descrever o espetáculo erótico que tinham testemunhado. O jornal britânico The Guardian referiu-se a “ménages, sadomasoquismo e uma montagem peniana”.

O ator Stellan Skarsgård afirmou que a obra não deve ser considerada pornografia: “A pornografia tem apenas um objetivo, que é excitar você. Fazer você se masturbar, basicamente. Mas, se você for ver esse filme, ele é um pornô muito ruim, na verdade. E depois de um tempo você nem consegue mais reagir às cenas explícitas. Elas se tornam tão naturais como ver alguém comendo uma tigela de cereais”.

O sexo explícito levou as pessoas a se perguntar como a atriz Charlotte Gainsbourg pôde ser tão convincente. Na verdade, seu dublê nas seqüências de penetração era uma atriz pornô. “Para mim, o pior foram as cenas de masoquismo. Aquelas eram embaraçosas e, sim, um pouco humilhantes.”

Com “Ninfomaníaca”, Lars von Trier está tentando destruir todos os tabus num épico sexual. Charlotte é uma ninfomaníaca autodiagnosticada que, depois de uma surra, conta seu passado para um homem mais velho, interpretado pelo sueco Skarsgård. Com a participação de Shia LaBeouf, Jamie Bell, Christian Slater, Connie Nielsen e o amigo de longa data de von Trier, Udo Kier, a fita tem 4 horas e meia e será lançada em duas partes. Charlotte Gainsbourg novamente se deixa ser submetida a todo tipo de humilhação sexual e psicológica para satisfazer von Trier.

Depois de chocar o público de todas as formas possíveis, ele agora transforma o sexo em crime contra a humanidade. Sua distribuidora, Zentropa, já anunciou que uma versão sem cortes, com mais de cinco horas de ereções latejantes e coitos anais, está agendada para passar em alguns festivais.

Os leitores vão se lembrar de quando ele usou sua persona de “provocateur” numa coletiva de “Melancolia” em Cannes. Declarou-se nazista e manifestou alguma simpatia por Hitler. Diante da enorme repercussão negativa, pediu desculpas. Será interessante ver como o público responde a “Ninfomaníaca”. Raramente um cineasta dessa estatura e notoriedade dirigiu um filme tão abertamente sexual. Pasolini, Bertolucci e, mais recentemente, Abdellatif Kechiche (“Azul é a cor mais quente”) também esticaram os limites da tolerância.

Mas von Trier é de uma liga diferente. Seu objetivo é causar, tanto quanto fazer uma declaração artística. Ele se vê como um apóstolo da licenciosidade, um homem imerso em seu próprio delírio, sem compromisso com nada nem ninguém. Isso poderia uma forma de expressão pura e corajosa, mas von Trier é tão desprovido de gosto e estrutura moral que seus filmes são realmente pornográficos, com ou sem sexo.

Ninguém tem mandato para legislar sobre limites artísticos ou definir os termos sob os quais um artista deva trabalhar, mas é recomendável ter cuidado para não tornar a ausência de limites um objetivo a priori. Lars von Trier é um mestre que se deleita com o apocalipse, mas cuja deliberada brutalidade cinematográfica obscurece qualquer mensagem mais significativa. No final, é só isso o que ele deseja? Chocar? Como Walter Benjamin gostava de dizer, cuidado com a “tirania do mau gosto”.