Por que a única maneira de conter uma PM assassina foi proibi-la de “prestar socorro”

Atualizado em 27 de outubro de 2014 às 11:41

pmesp

A polícia de São Paulo está matando menos porque foi proibida de prestar socorro. Ou seja, o que a polícia prestava não era isso.

Um ano depois da resolução recomendando que feridos nas ruas tivessem atendimento especializado, as mortes causadas por PMs caíram 39%, o nível mais baixo desde 1999. Foram 335 cadáveres em confronto em 2013, contra 546 em 2012.

A justificativa oficial para a implantação da medida era a de garantir que os feridos tivessem ajuda profissional. “O policial tem formação para realizar os primeiros socorros, mas ele não tem todos os materiais e equipamentos”, disse o secretário de segurança pública Fernando Grella Vieira.

Nos primeiros meses da resolução, diversos policiais alegaram que cometeriam crime de omissão de socorro. Houve algumas ocorrências. O sargento Fernando explicou ao DCM como funcionava: “Às vezes contamos com a ajuda do médico. Tem um hospital na Lapa em que um médico perguntava: “polícia ou bandido?” “Polícia!” – ele atendia rapidinho. Se fosse bandido, ele demorava, mexia no pneu do carro e em outras coisas sujas e verificava a profundidade do disparo com o dedo. Se o cara morria de infecção, paciência. Afinal, ele teve assistência. Esse médico fazia uma seleção natural”.

Remover a pessoa era um jeito, também, de atrapalhar a perícia, já que altera a cena. O professor de Direito Penal José Nabuco Filho escreveu no DCM: “Por isso a ‘coincidência’ de morrerem quase todos na porta do hospital. Os policiais precisam dizer que ele estava vivo quando saiu do local. Daí a saída padrão: os policiais agem como se ele houvesse morrido no caminho.”

O novo relatório da ONG Human Rights Watch diz que a “tortura é um problema crônico em delegacias e centros de detenção” e as “autoridades responsáveis pela aplicação da lei que cometem abusos contra presos e detentos raramente são levadas à Justiça”.

É uma ironia que o fator responsável pela diminuição dos óbitos provocados por PMs seja uma determinação de que eles não tentem “salvar a vida” de ninguém. Ao coibir essas fraudes, o efeito foi criar uma corporação menos assassina.

Ao menos nas estatísticas, é um avanço. O espírito, porém, continua o mesmo: “Hoje, vivemos uma época de emburrecimento. Tem três ou quatro psicólogos mandando desenhar árvore, gato…  Aquela pessoa que está pintando uma vaca [durante o acompanhamento psicológico] tem 30 anos de profissão”, diz o sargento Fernando. “Quando o policial puxa o gatilho, ele não puxa sozinho.”