Quatro meses sem depilação: um alívio e um prazer. Por Nathali Macedo

Atualizado em 7 de novembro de 2016 às 18:30
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Nathali

Falar sobre os meus pelos pode parecer constrangedor em uma sociedade que finge que eles não existem

Falar sobre os meus pelos pode parecer constrangedor em uma sociedade que finge que eles não existem – e que provavelmente gostaria que eu também fingisse – mas não há nada de constrangedor nisso: eles existem e é no mínimo risível que algo tão banal ainda seja um tabu.

Fiz depilação com cera quente duas vezes na vida, em um passado em que eu ainda me preocupava em me adequar esteticamente (eu ainda não havia descoberto que há preocupações muito mais urgentes e úteis do que esta), e, garanto: aquilo pode se comparar tranquilamente a uma sessão de tortura.

Não é preciso argumentar neste sentido: basta pensar que o procedimento consiste em arrancar vários pelos de uma só vez, com uma pasta quente e grudenta.

“Frescura, eu aguento”, dizem algumas mulheres, porque elas ainda não sabem o quanto é maravilhoso não precisar se submeter a uma tortura ritualizada uma vez por mês (idem para o salto alto.) Aguentar a gente aguenta – mas precisa?

Eu entendi que não, e foi incrível.

Primeiro, você vê os seus pelos crescerem. Não é estranho que haja algo no seu corpo e você nunca o tenha visto de fato? Eu acho. É que quando os pelos começam a aparecer, ainda tímidos, dizemos ao espelho: é hora de tirar. E é assim que nunca vemos o nosso corpo em um estado de total naturalidade. Eu tenho visto meus pelos há quatro meses, e descobrir que eles existem, acredite, não dói nada (a não ser que você decida arrancá-los.)

Segundo, você começa a compreender que nenhum procedimento estético é determinante para a sua beleza, e que “cuidar-se” tem um significado diferente para cada mulher e não necessariamente significa recorrer a um padrão.

Terceiro, você aproveita os benefícios dos pelos à saúde. Comprovadamente, pelos pubianos protegem o PH vaginal e pelos nas axilas facilitam a liberação de hormônios – os feromônios, que, nos mamíferos, formam estímulos olfativos que têm relação, inclusive, com o desejo sexual.

São muitas, percebam, as razões para que uma mulher resolva deixar seus pelos crescerem, e nenhuma delas tem a ver com querer se parecer com um homem, mesmo porque a depilação feminina é uma imposição cultural ocidental relativamente recente (como uma imposição estética, a depilação surgiu apenas no Século XIX), e portanto, a rigor, pelos não são uma exclusividade masculina. Ressalte-se o óbvio: Pelos nascem em seres humanos, e não apenas em homens.

Mas esta ainda é uma decisão mais complexa do que, a primeira vista, pode parecer.

Quando os primeiros pelos começaram a surgir nas minhas axilas e eu não os arranquei antes que alguém pudesse vê-los (penso: o que meus pelos fizeram de errado para precisarem se esconder?), as pessoas próximas – principalmente as mulheres, porque os homens parecem julgar em silêncio – começaram com as indagações: “Por que você não depila?”

Receio que esta não seja a questão. A questão é: Por que eu deveria depilar?

Nenhuma resposta que ouvi para essa questão me convenceu.

O fator higiene é o mais frágil de todos. Pelos não têm odor. Sujeira tem odor. A higiene depende, portanto, apenas dos bons hábitos, e não da depilação. Se pelos fossem de fato anti-higiênicos, convenhamos, nove entre dez homens seriam insuportavelmente fedorentos, com seus pelos no peito, no rosto, nas pernas e no resto.

A falácia da higiene serve apenas para fortalecer a cultura do desprezo às mulheres que optam por não obedecerem à ditadura da depilação. Serve apenas para que nos xinguem de porcas nojentas – como fizeram com a estudante belga Laura De, que posou para um ensaio fotográfico com os pelos à mostra – quando resolvemos não enquadrar nossos corpos às imposições alheias.

Quanto a mim, continuo levando meus pelos à praia e rindo de canto quando alguém disfarça mal ao fazer qualquer comentário maldoso a respeito do meu corpo. Continuo levantando os dois braços no transporte público quando alguém faz cara de espanto ao descobrir que (pasmem) mulheres também têm pelos.

Eis, portanto, a tradução literal da velha máxima: meu corpo, minhas regras.