Ser desprezado por Mario Frias é um elogio para Wagner Moura. Por Nathalí

Atualizado em 3 de novembro de 2021 às 11:26
Wagner Moura e Mario Frias
Wagner Moura e Mario Frias.
Divulgação

Quem perdeu a entrevista com Wagner Moura no Roda Viva perdeu muito.

O ator – que faz sua estreia como diretor no filme “Marighella”, em breve nos cinemas – traçou, sem meias palavras, um panorama tão triste quanto verídico do Brasil de nossos dias: um país que persegue os artistas (sobretudo no setor audiovisual) e à própria arte, que trata seus mortos com escárnio, que despreza a democracia, que censura a imprensa mas chama de censura o enfrentamento a discursos de ódio, que empurra milhões de pessoas para a fome e a miséria enquanto seus ministros engordam contas no exterior.

Muito mais do que falar sobre o filme, Wagner usa sua projeção pra colocar os pingos nos is – e nada pode ser mais urgente do que isso. Sua fala e postura estão alinhados com a gravidade do momento: nenhum artista pode, na atual conjuntura, se dar ao luxo da neutralidade. No Brasil de Bolsonaro, neutralidade mata – e Wagner Moura sabe disso.

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A fala corajosa do ator não é exatamente surpreendente: ele esteve na linha de frente contra o fascismo desde muito antes do golpe de 2016 (o início do fim do Brasil). Nesses nossos dias, são poucos artistas politizam sua existência com tanta maestria.

Convidado a comentar os ataques do presidente bolsonarista da Fundação dos Palmares Sérgio Camargo sobre o filme Marighella, respondeu apenas: “Não vou comentar porque não o respeito. Nós precisamos escolher nossos combates.”

Foi o quanto bastou: a ala ideológica do governo ficou (e permanece) em povorosa. Zambelli tuitou classificando Marighella como homicida. Mario Frias, ex-malhação e agora Secretário de Cultura do Governo Bolsonaro, compartilhou o trecho do vídeo com a resposta: “Então somos dois. Não sinto nada além de desprezo por esse sujeito patético que bate palma pra bandido!”

O cara integra um governo responsável por mais de 600 mil mortes, acusado de envolvimento com a milícia, rachadinha, funcionário fantasma (etc etc etc) e se sente confortável pra dizer que é Wagner Moura que bate palma pra bandido? De fato, não há limites para a cara de pau bolsonarista.

A imprensa tem manchetado os ataques do secretário de cultura ao ator e diretor Wagner Moura como “troca de farpas”, como quem se refere a uma treta pública de igual pra igual. Não é o caso. Entre ambos (e entre o desprezo de ambos) há um abismo.

Wagner Moura é artista desde que se entende por gente. Ator de projeção internacional, cineasta, músico, aclamado pela crítica e que se mantém há anos como um dos protagonistas do cinema nacional.

Ainda no teatro, em Salvador, trabalhou com diretores consagrados e no cinema estrelou clássicos como Carandiru e Tropa de Elite.  Brilhou protagonizando uma das séries mais populares da Netflix e ganhou mais de 30 prêmios até hoje. Wagner Moura fez muito mais pelo Brasil do que qualquer bolsonarista.

Para além do talento e do prestígio, ele é gente: nunca apoiou governo fascista, nunca se manteve neutro em situações de opressão, luta incansavelmente pelo audiovisual brasileiro e pelas bandeiras que se propõe a levantar. Agora, nos presenteia com um filme mais do que bem-vindo em meio à guerra ideológica instaurada pelo bolsonarismo.

É por isso que ser desprezado por alguém como Wagner Moura dói.

O desprezo, nesse caso, delimita uma linha fundamental entre ambos: não há uma luta de forças igualitárias entre o progressismo e o bolsonarismo no Brasil. Não há uma “polarização” de fato: a guerra é entre prestígio e mediocridade.

Em outras palavras: quem é Mario Frias na fila do pão?

Atuou em malhação como um dos rostinhos bonitos e sem talento do seriado teen, apresentou um programa sobre viagens na Rede TV! (do qual nunca se ouviu falar), virou notícia depois de opinar publicamente e sem que ninguém tivesse perguntado sobre o vibrador de Fernanda Paes Leme (?) e agora integra um governo fascista substituindo a descompensada Regina Duarte e ao lado de gente como Damares Alves. E Wagner Moura que é patético?

Como se não bastasse, é detestado pelos próprios colegas globais, mesmo os menos simpatizantes ao progressismo. Mario Frias é, por si só, uma figura digna de desprezo. Ser desprezado por ele é, portanto, um elogio.

Como disse Nelson Rodrigues, “de gente burra, só quero vaias.”

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Nathalí Macedo
Nathalí Macedo, escritora baiana com 15 anos de experiência e 3 livros publicados: As mulheres que possuo (2014), Ser adulta e outras banalidades (2017) e A tragédia política como entretenimento (2023). Doutora em crítica cultural. Escreve, pinta e borda.