Pelé não precisava falar de racismo. O corpo preto dele falou, e muito. Por Luan Araújo

Atualizado em 29 de dezembro de 2022 às 16:05
Pelé no Santos no início da carreira

Eu já fui uma pessoa que não olhou nada de bom naquele corpo preto de Pelé. O caso de sua filha Sandra, já relatado aqui no DCM por Roberta Schendler, é um ponto em sua biografia que sempre deverá ser destacado, ainda mais em um país onde o abandono paternal é quase que regra.

Esse corpo preto, no entanto, merece, sim, ser cultuado.

Em toda a história moderna, Pelé foi o primeiro símbolo universal de excelência negra. Num mundo sem internet, ele era o rosto mais conhecido do planeta. E esse rosto era preto. Aquele corpo de atleta em perfeição era preto.

E aí entramos em uma questão sensível. As pessoas podem falar que ele não se metia em questões sensíveis, como seu contemporâneo, o boxeador Muhammad Ali, por exemplo, fez ao abrir mão de seu título mundial para ser preso pelo governo dos EUA ao se recusar a lutar na Guerra do Vietnã. E temos que entender as escolhas de ambos.

Ser um homem negro de sucesso nos anos 60 (e segue assim até hoje), época de efervescência política no Brasil e no mundo, era algo complexo. Qualquer ato poderia significar sua ruína. E Pelé tinha seu jogo para mostrar.

E mesmo “só” mostrando seu jogo em campo não dá para falar que ele fez pouco. Na África, ele era venerado. Não foram poucas as excursões que o timaço do Santos, com ele como estrela, arrastou multidões querendo ver aqueles homens de maioria preta fazerem coisas inimagináveis com um uniforme branco.

Certa vez, inclusive, esse time, só com a presença do camisa 10, fez uma guerra cessar na Nigéria em 1969. Ao menos no período em que esteve lá.

Quando o Brasil foi tricampeão do Mundo, em 1970, foi o corpo de Pelé que uma multidão de mexicanos ensandecidos correu para abraçar. Ali estava a pessoa mais conhecida do planeta. Era a perfeição e a magia em forma de atleta. E era um corpo preto.

E a presença de Pelé sempre inspirou outros negros. Uma conversa do também ex-boxeador Mike Tyson com o rapper Snoop Dogg mostra o fascínio que só a figura do brasileiro causa. É impressionante.

Em “The Last Dance” documentário sobre sua carreira na Netflix, Michael Jordan dizi que o seu jogo já inspirava muitas pessoas iguais a ele e que era uma escolha dele não se pronunciar publicamente sobre questões sensíveis.

Talvez tenha faltado a Pelé a oportunidade de falar isso de uma forma mais direta. Mas o que não podemos negar é que aquele corpo preto, por si só, falou. E falou muito alto.

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Luan Araújo
Jornalista formado em 2012, morador da periferia da Zona Leste de São Paulo, sambista e corintiano.