A ausência de autocrítica da Globo na série sobre o bicheiro Castor de Andrade. Por Sacramento

Atualizado em 24 de fevereiro de 2021 às 23:21

Por Marcos Sacramento

Faltou autocrítica da Globo na série sobre Castor de Andrade – Foto: Reprodução

Nos momentos finais da série documental Doutor Castor, sobre a vida do bicheiro Castor de Andrade, a juíza Denise Frossard é questionada se havia comemorado o título carioca do Botafogo em 1989, após 21 anos sem títulos.

Juíza responsável pela condenação de 14 lideranças do jogo do bicho fluminense, Frossard se viu na inusitada situação de celebrar a conquista do time montado com dinheiro de um dos seus réus, o bicheiro Emil Pinheiro.

“Foi muito duro pra mim, mas cumpri a minha obrigação. Os jogadores não tiveram nada a ver com isso, foram muito bons”, afirmou Frossard.

A mesma pergunta foi feita ao procurador e também botafoguense Antônio Carlos Biscaia, assim como permeou os depoimentos de ex-jogadores do Bangu, clube que anabolizado pelo dinheiro de Castor de Andrade alcançou nos anos 80 resultados nunca antes conquistados.

Ao longo da série, ídolos do passado como Mauro Galvão, Dé Aranha, Cláudio Adão, Márcio Rossini e Arturzinho foram confrontados com o fato de terem sido muito bem remunerados com dinheiro de origem ilícita. Uns não acharam isso um problema, outros demonstraram um ar crítico, ainda que sutil.

A autocrítica exigida aos jogadores, no fim das contas apenas profissionais assalariados, inexiste no documentário quando o assunto é a relação amigável da Rede Globo com chefões do jogo do bicho. Imagens como as entrevistas cheias de sorrisos de Castor no Jô Soares ou nas coberturas do Carnaval, remetem a um tempo em que bicheiros eram tratados como celebridades.

Uma dessas entrevistas foi no programa carnavalesco “A Globo faz Escola”, de 1990. Nele, Fátima Bernardes aparece rodeada de lideranças do jogo do bicho como Anísio Abraão Davi, Miro Garcia, Capitão Guimarães e Carlinhos Maracanã.

Após esta cena, surge o ex-chefão da Rede Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que dá o seu depoimento. “Nós resolvemos fazer uma mesa redonda de Carnaval na TV Globo exatamente para que ela fosse proveitosa para o desfile das escolas de samba. Hoje, seria impossível fazer essa mesa redonda por causa da baboseira do politicamente correto e não seria nem possível fazer os Trapalhões ou o Chacrinha porque nada pior que a censura imposta pelo politicamente correto”, justifica.

“Baboseira do politicamente correto”, tá certo …

Para Boni, uma mesa redonda com envolvidos em diversos crimes é algo tão inocente quanto o humor datado dos Trapalhões ou a algazarra do Cassino do Chacrinha.

Ali Kamel, diretor geral de jornalismo da rede, é mais elegante que Boni ao falar do passado, mas não deixa de ser complacente com a empresa, mesmo sendo intimidado por Castor de Andrade durante uma entrevista para a Veja, em 1988. “Foi o entrevistado que mais me deu medo na vida”, revelou.

“Nós somos escravos do momento em que a gente vive, naquela época aquilo era possível, hoje aquelas entrevistas não seriam feitas tal como foram feitas”, defende Kamel.

Em certo trecho da série, o advogado Michel Assef lembra que muita gente virou as costas para Castor depois que as autoridades passaram a jogar duro contra ele. Assef não deu nomes, mas se existisse uma lista, a Rede Globo poderia muito bem estar nela.

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