Destaques

A aventura golpista de Bolsonaro na Venezuela. Por Aldo Fornazieri

Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo (Foto: Reprodução)
POR ALDO FORNAZIERI
Não é preciso ser defensor do governo de Nicolás Maduro para repudiar, com veemência, a intromissão absurda e criminosa dos governos dos Estados Unidos, da Colômbia e do Brasil nos assuntos internos da Venezuela. De fato, Maduro não é um bom governante, é uma das causas da infelicidade e da diáspora do povo venezuelano. Mas isto, neste momento, fica num plano secundário em face da agressão externa que a Venezuela está sofrendo. As agressões são patrocinadas por Trump, Iván Duque e Jair Bolsonaro, respectivamente presidentes dos Estados Unidos, Colômbia e Brasil.
A farsa da ajuda humanitária ficou desnudada. Tratava-se de um ardil, de uma emboscada, para promover um golpe interno por meio de uma ação externa, visando derrubar o governo venezuelano e instalar um governo ilegítimo e golpista de Juan Guaidó, subserviente aos interesses dos Estados Unidos. Se a eleição de Maduro é suspeita sob vários aspectos, a autoproclamada presidência de Guaidó não tem nenhuma legitimidade. Ele afirma que segue a Constituição. E a Constituição da Venezuela manda que em caso de interinidade de um presidente ele é obrigado a convocar eleições no prazo de 30 dias.

Os 30 dias da autoproclamação de Guaidó já expiraram, o que demonstra que ele já rasgou a Constituição, perdeu a respeitabilidade e se revelou um fantoche, um joguete, nas mãos de Trump. Ao apelar para forças estrangeiras Guaidó traiu o povo venezuelano, sua soberania, sua autodeterminação.

Trump, Duque e Bolsonaro são responsáveis pela anarquia, pela violência e pelas mortes que se espalharam nas fronteiras da Venezuela com a Colômbia e o Brasil. Se esses governos intervencionistas quisessem realmente promover ajuda humanitária aos venezuelanos teriam entregue os donativos à ONU e à Cruz Vermelha a quem cabe, de direito e de bom senso, promover ações de ajuda humanitária. Mas, evidentemente, tratou-se de uma ação intervencionista nos assuntos internos da Venezuela.

Bolsonaro, secundado pelo seu chanceler, violou a Constituição brasileira e a Carta das Nações Unidas. A agressão só não foi maior graças ao bom senso equilíbrio dos generais que compõem o governo brasileiro que, até este momento, merecem um elogio por impedirem a ampliação da aventura golpista de Bolsonaro. Com efeito, o Artigo 4º da Constituição brasileira afirma que o Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: “I – Independência nacional; II – prevalência dos direitos humanos; III – autodeterminação dos povos; IV – não intervenção; V – igualdade entre os Estados; VI – defesa da paz; VII – solução pacífica dos conflitos; VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX – cooperação entre os povos pelo progresso da humanidade; X – concessão de asilo político”.

A Câmara dos Deputados e o Senado Federal deveriam convocar o chanceler Ernesto Araújo para que preste conta das tentativas de violar o que prescreve a Constituição no que se refere às relações internacionais. O deputado Eduardo Bolsonaro também deveria se explicar ao incitar a violência contra o governo da Venezuela. O que se espera, no mínimo, é que os parlamentares da oposição encaminhem essas convocações.

Não bastasse violar a Constituição brasileira, Bolsonaro, ao se intrometer nos assuntos internos da Venezuela, viola vários dispositivos da a Carta da ONU, particularmente o inciso 2 do Artigo 1º, que diz: “Os propósitos das Nações Unidas são: …. 2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal”.

As ações de Trump, Duque e Bolsonaro vão no sentido de provocar uma guerra civil na Venezuela e uma intervenção externa. Isto precisa ser dura e amplamente denunciado. O que esses governos fizeram no último sábado na fronteira com a Venezuela foram ações de provocação para justificar a violência e a agressão àquele país. Se é verdade que fracassaram nessa primeira ofensiva, nada impede que, guiados pelos seus espíritos sombrios e irresponsáveis, voltem ao ataque novamente.

Uma guerra na Venezuela, civil ou externa, pode desestabilizar toda a América Latina. Se a região já é violenta socialmente, a violência política pode se generalizar. Foi um grande feito do ex-presidente da Colômbia, Juan Manoel Santos, ter alcançado a paz com as Farc. Duque e Bolsonaro, incitados por Trump, podem estar abrindo as portas para o ressurgimento da violência política e guerrilhas na região. Se o jogo político passa a ser decidido cada vez mais por golpes e ações de forças e de violência, os grupos depostos e derrotados advogarão a legitimidade do recurso à força para sobreviverem. Isto seria um enorme retrocesso na América Latina, um prejuízo incalculável aos parcos avanços das democracias na região. É esse aventureirismo irresponsável de Trump, Duque e Bolsonaro que precisa ser repudiado. As forças políticas da América Latina – de direita, de centro e de esquerda – precisam persistir no intento democrático, único caminho razoável que pode indicar saídas às trágicas condições de vida dos povos da região.

Desta forma, em relação à Venezuela, a única ação legítima, em consonância com a Constituição brasileira e com a Carta da ONU, consiste em pressionar e estimular para que as partes em conflito naquele país se sentem na mesa e busquem uma solução negociada para os conflitos. Somente isto e nada mais do que isto é legítimo. Fora isto, pelos princípios da Constituição e da Carta da ONU, cabe unicamente aos venezuelanos decidirem o que fazer.

O governo Bolsonaro tem o direito de se afastar do governo Maduro, de se aproximar de governos de direita como os de Israel, Itália e Estados Unidos. Ele só não tem direito, em nome dessas aproximações, de prejudicar os interesses do Brasil e de conspurcar a nossa soberania. Ele só não tem direito de se embrenhar numa aventura golpista que pode levar a uma guerra civil na Venezuela ou uma ação armada do Brasil contra aquele país.

O Brasil tem problemas demais para que se ocupe com uma ação intervencionista na Venezuela. O Brasil tem mais de 50 milhões de pobres e cerca de 15 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. É com estes que o governo Bolsonaro deveria se preocupar. Solidariedade internacional sim, mas desde que se respeite a soberania e a autodeterminação dos povos e desde que seja feita por instituições isentas e credenciadas para isto, a exemplo da ONU e da Cruz Vermelha.

O aventureirismo golpista de Bolsonaro e de Ernesto Araújo precisa ser contido, seja pelos generais do governo, mas principalmente pelo Congresso Nacional, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Precisa ser contido por mobilizações de democratas para proclamarem um não à aventura intervencionista e um sim à paz na Venezuela. Maduro não representa nenhum risco para o Brasil, pois mais dia ou menos dias ele sairá do governo. A Venezuela e seu povo não representam nenhum risco à soberania brasileira. Se há um risco real à nossa soberania seria a presença de forças militares norte-americanas na região amazônica. Ali estão as águas, as florestas, a biodiversidade, as terras e as riquezas minerais. Isto tudo pertence ao Brasil e aos demais países amazônicos. Se há um risco efetivo à soberania do Brasil e dos outros países da região ela é representada por Trump e os Estados Unidos que querem reerguer a velha doutrina do século XIX, de James de Monroe: “A América para os americanos…do norte”. Isto não devemos e nem podemos aceitar.

Diario do Centro do Mundo

Disqus Comments Loading...
Share
Published by
Diario do Centro do Mundo

Recent Posts

‘Se não reagirmos, em 15 anos não haverá mais democracia no mundo’, diz pesquisador

João Cezar de Castro Rocha tem um trabalho árduo que ele mesmo se impôs: frequentar…

1 hora ago

Tarcísio pula abertura de feira de agronegócio para acompanhar ato de Bolsonaro em Ribeirão Preto

Os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Goiás, Ronaldo Caiado (União),…

2 horas ago

Aniversário de 79 anos da morte de Mussolini tem homenagens facistas

O 79º aniversário da morte de Benito Mussolini e sua amante, Claretta Petacci, foi celebrado…

3 horas ago

Quem é Andressa Mendonça, ex-mulher que ameaça ‘contar podres’ de senador bolsonarista

Andressa Mendonça, ex-mulher do senador Wilder Morais, ganhou destaque neste domingo (28) ao ameaçar expor…

4 horas ago

Ex-mulher de senador Wilder Morais ameaça contar podres se bolsonarista não abrir carteira

Ex-mulher do senador Wilder Morais (GO), Andressa Mendonça ameaçou expor os podres do bolsonarista caso…

5 horas ago

Madonna de cidadã honorária do Rio é o cúmulo da viralatice. Por Nathalí

Por Nathalí Dessa vez a síndrome de vira-lata foi longe demais: a câmara de vereadores…

5 horas ago