A cultura de celebridades e a turma de Roberto Carlos

O movimento de artistas para proibir biografias não-autorizadas é um retrato do atraso.

Agora um grupo de “celebridades” quer lançar um manifesto contra o projeto de lei que permite biografias (hoje, qualquer obra precisa da autorização do biografado ou dos herdeiros, segundo o artigo 5º da Constituição, que garante a “inviolabilidade da intimidade, da vida privada e da imagem”).

À frente do grupo está Roberto Carlos, o censor das multidões, que, nos últimos anos, vetou um bom livro de Paulo César de Araújo, uma tese de mestrado sobre a moda da Jovem Guarda (!) e mais uma batelada de coisas. Seu escritório já vetou de ruas chamadas Emoções ao uso de Detalhes pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.

Essa atitude, aliada à nossa cultura do compadrio, alimenta uma indústria milionária de mentiras e empulhações. Um dos resultados é a eterna falta de bons livros e filmes sobre personagens brasileiros, quaisquer que sejam. Tudo tem de ser autorizado e nada que não seja uma hagiografia passa.

O filme sobre Renato Russo, por exemplo, Somos Tão Jovens, fala en passant de sua homossexualidade – o que, nesse caso, não é fofoca, mas um elemento fundamental de sua obra. Fica-se sempre na superfície para não haver problemas. Críticas, ou qualquer coisa que não seja elogio, são vistas como tentativas torpes de destruir reputações (o que explica a revolta infantil de gente como Gloria Perez, autora da pior novela das 9 de todos os tempos, se isso é possível. Gloria perdeu as estribeiras com um blog que, compreensivelmente, faz sucesso com uma paródia de Salve Jorge.)

Ruy Castro costuma recomendar aos jovens biógrafos que escrevam sobre pessoas mortas. É um jeito de não ter dor de cabeça e tentar escapar do oficialismo. Chuck Palahniuk, autor de Clube da Luta, diz que a cultura de celebridades é fruto de uma necessidade de drama e espetáculo e que o padrão é inventar figuras divinas, deuses e deusas – e, assim que essa imagem é criada, é preciso destruí-la. Como por aqui a mídia “especializada” é a favor, o que fica é um retrato produzido pelo departamento de relações públicas.

Enquanto a turma do Roberto triunfar, o Brasil seguirá sendo esse grande Domingão do Faustão.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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