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A foto de Tabata Amaral com gente de esquerda confunde e desarma. Por Rudá Ricci

Ana Haddad, Lu Alckmin, Francia Márquez, Janja, Tabata Amaral e Gleisi Hoffmann
Foto por: Reprodução/Twitter

Por Rudá Ricci

Ontem está foto que ilustra o início deste breve fio gerou uma grande polêmica nas redes sociais progressistas do nosso Brasil velho de guerra. Vou para um breve comentário a respeito:

1) A polêmica se deu pela presença da Tabata Amaral. Vários militantes de esquerda ficaram muito incomodados com a inclusão dela nessa foto. Para piorar, fazendo um gesto de força que tradicionalmente é usado pela esquerda.

2) Assim que as mensagens que revelavam este incômodo foram postadas, surgiram respostas sobre a necessidade de Lula ter uma bancada de apoio no Congresso. Em consequência, Tabata e outros deveriam continuar postando punhos cerrados ao lado de gente declaradamente de esquerda

3) Minha avaliação é que estamos misturando joio com trigo, alho com bugalho, casca de banana com bola de futebol. Que Lula precise de uma bancada próxima de 300 deputados federais, ninguém desconhece. Que apoios de Tabata e até banqueiros são bem-vindos, idem, ibidem.

4) Agora, não podemos diluir a identidade de esquerda. Mesmo porque, as alianças só existe quando as diferenças permanecem. Caso contrário, não é aliança, mas bolha entre iguais. Vou explicar fazendo uma analogia com o conceito de interdisciplinaridade.

5) Interdisciplinaridade é diálogo entre disciplinas. Portanto, para existir diálogo é preciso ter identidade forte de cada disciplina específica. Se uma disciplina engole a outra, não se trata de inter, mas de “disciplinaridade cruzada”, ou seja, uma domina as outras.

6) Por outro lado, quando uma disciplina se funde na outra – normalmente, criando uma outra área de conhecimento – o nome técnico deste fenômeno e transdisciplinaridade. Este é o caso dos estudos ecológicos, que fundem biologia, história, direito etc.

7) Trans significa “ir além”. Portanto, transdisciplinaridade significa “ir além das disciplinas”. Acho que a analogia cabe para o problema da Tabata aparecer misturada entre mulheres de esquerda fazendo um gesto típico da esquerda: ela dilui sua verdadeira ideologia.

8) Em outras palavras, ela não aparece numa foto como aliada, mas como igual. É aí que o caldo entorna. Confunde e despolitiza. Esse é um grave problema que algumas vertentes de centro-esquerda brasileira vêm promovendo: confundir aliança com dissimulação.

9) Não somos todos iguais. Fingir que agora somos amiguinhos despolitiza, inclusive, a base militante da esquerda. E desarma nossa garra para disputar ideologias e valores. Na prática, quem faz a disputa são as cúpulas partidárias. A base vira massa de manobra.

10) Há mais de uma década, a militância de esquerda – principalmente, de centro-esquerda – em nosso país vive uma crise existencial e uma polarização de emoções. Não sabe se pode ou não pode criticar, se finge ou não que é esquerda, se dá mais atenção ao Centrão que aos amigos

11) Depois, reclamamos que tal “aliado” traiu, que os empresários nunca receberam tanto com o lulismo (e agora o trai), que batem muito na esquerda (no PT, principalmente), como se tudo isso fosse estranho ao jogo político. Política se move a partir das traições. Sempre foi assim

12) Por que a traição é elemento da política? Porque é base da disputa de poder. Não há amigos na alta esfera da política. O que gera estabilidade numa aliança é o temor. Maquiavel já dizia isso no século XVI.

13) Este é o limite do discurso “paz e amor” na política. Ele desarma e diminui a atenção sobre os aliados e adversários. É como se um assassino apontasse uma arma na cabeça de um ente querido e você começasse a cantar um mantra. Seria fuga da realidade.

14) A defesa é parte da saúde mental. E da preservação da vida. A palavra agressividade vem do latim e significa “ataque, avanço contra”, de AGGREDI, “aproximar-se, atacar”, de AD, “a, para”, mais GRADI, “dar um passo, ir para a frente”. Não se trata de violência, mas defesa.

15) A violência, ao contrário, é patológico e sugere que a minha existência é garantida pela eliminação do outro. Uma mudança importante do movimento agressivo. Pois bem, é disso que se trata em relação àquela foto da Tabata em meio à mulheres de esquerda: confunde e desarma

16) Uma foto de lideranças de esquerda com Tabata não gera problema algum. Mas, uma foto com Tabata e gente de esquerda com sinal típico da esquerda, confunde e desarma. Parece que somos todos iguais e que Tabata não lutou contra o FUNDEB com Caq no Congresso Nacional.

17) Chego ao fim deste fio. Não podemos continuar embaralhando as identidades ideológicas no Brasil. Não podemos confundir alianças com amizades. Não podemos ser tão dissimulados porque confundimos militantes e eleitores. Temos que voltar a ser leões. Temidos.

Texto originalmente publicado no TWITTER do autor.

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Rudá Ricci

Cientista político formado em Ciências Sociais pela PUC-SP, com mestrado em Ciência Política pela Unicamp. Doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. Presidente do Instituto Cultiva em Minas Gerais

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