“A imagem de Deus é de uma mulher negra”: como foi o ato por Marielle em SP. Por Larissa Bernardes

Atualizado em 15 de março de 2019 às 7:16
Manifestação na Av. Paulista lembrou o primeiro ano da morte de Marielle (Foto: Larissa Bernardes/DCM)

No dia 14 de março de 2018, a vereadora carioca Marielle Franco foi assassinada a tiros junto com seu motorista Anderson Gomes no centro do Rio de Janeiro. Marielle voltava de um evento com jovens negras.

Dentro do carro que foi alvejado, também estava a assessora Fernanda Chaves, única sobrevivente do atentado.

Após quase um ano sem grandes avanços na investigação, o policial reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz foram presos no último dia 12 pelo assassinato. No entanto, pouco ou nada se sabe sobre quem encomendou o crime.

Durante esta semana, foram revelados diversos indícios da proximidade da família Bolsonaro com os assassinos, mas muitas perguntas continuam sem resposta.

Para marcar o aniversário de um ano da morte da vereadora, dezenas de manifestações foram convocadas ontem (14) por todo o Brasil e também outros países.

O DCM esteve presente no ato de São Paulo, que aconteceu na Avenida Paulista, e conversou com algumas das personalidades que lá estavam.

Convocado por diversas frentes, o evento pediu justiça por Marielle e pela vida de milhares de jovens negros assassinados nas periferias.

“O ato de hoje representa muitas coisas. A principal delas é a gente lembrar que hoje está completando um ano, não da morte tão somente, mas da execução de uma grande pessoa, de uma mulher fantástica, que, em um contexto onde as mulheres negras estão em grande desvantagem, batalhava para que isso mudasse”, diz Luciete Silva, militante PSOL, do movimento negro e uma das organizadoras do ato.

“Marielle era uma parlamentar respeitada, portanto, este dia não é um dia simplesmente para homenageá-la, mas para que a gente exija das autoridades a resposta que todo mundo precisa ter”, completa.

“Tem uma frase que diz que ela se tornou semente, eu acho que ela sempre foi, só que a gente não sabia ainda”, finaliza Luciete.

Aos poucos, sob a garoa fina da cidade de São Paulo, milhares de pessoas se aglomeraram para honrar o legado de Marielle.

O ato contou com intervenções artísticas, políticas e também religiosas. Padre Júlio Lancellotti falou ao DCM sobre a importância do ato.

“Este ato vem para reafirmar a luta e o comprometimento com os ideais de Marielle, que são ideais de libertação”, disse. “Temos que continuar com a pergunta: quem mandou matar Marielle?”, concluiu.

O padre também discursou ao lado de representantes do Candomblé e disparou: “A imagem de Deus é a de uma mulher negra, com HIV e transsexual”.

O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) também esteve presente no ato e falou com exclusividade ao DCM. Segundo ele, saber apenas quem executou o crime não é o suficiente, é preciso que se descubra quem ordenou.

“Saber quem apertou o gatilho é insuficiente, nós queremos saber quem mandou matar a Marielle. O assassinato dela e do Anderson significa um esquema enorme ligando política, polícia e crime. Então, nós estaremos nas ruas o tempo inteiro para saber quem mandou matar Marielle”, disse.

“Agora que descobrimos que um miliciano é vizinho de Bolsonaro, que tem 117 fuzis em casa, nós queremos saber qual a ligação que isso tudo tem. Não é só crime de ódio e intolerância, não é só porque a Marielle era uma grande lutadora. É porque eles querem destruir os sonhos de lutadores sociais, daqueles que vêm de baixo, das favelas, que lutam contra o racismo e a homofobia e, principalmente, os socialistas”, completou.

“Estaremos presente sempre para esclarecer esse bárbaro crime”, prometeu.

O deputado estadual Carlos Gianazzi (PSOL-SP) alertou para o caráter político do crime. “Faz um ano que a Marielle foi morta e nós estamos exigindo que haja uma apuração sobre os mandantes. Esse crime é um crime político, foram as milícias, mas a mando de alguém com algum interesse político”, disse.

“Hoje é um dia de cobrança, o Brasil inteiro exige uma resposta sobre quem mandou matar Marielle e quais são os interesses por trás da morte dela”, finalizou Gianazzi.

O ato começou com uma aula pública sobre o legado de Marielle, ministrada por Jupiara Castro, do Núcleo Consciência Negra da USP, e pela deputada estadual Érica Malunguinho (PSOL-SP).

O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, destacou, em seu discurso que “a morte de Marielle foi por um crime político”. “Ela foi morta pelo que representava, pelo que representa. Uma mulher negra que veio da favela, que ousou ocupar os espaços do poder, ocupar a política. Enfrentou os grandes interesses e pagou com a vida por isso.”

O cortejo, que estava concentrado na Praça Oswaldo Cruz, começou a andar pela Avenida Paulista por volta das 19h00. Foi puxado pelo grupo de rua Ilu Obá de Min, que homenageia a cultura afro-brasileira e cuja bateria é formada apenas por mulheres. 

Veja algumas fotos tiradas pela repórter Larissa Bernardes:

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Com sua morte, Marielle virou símbolo de luta e resistência. Porém, pouco se fala do que foi feito em vida.

Quem foi Marielle Franco?

Marielle Franco era moradora da comunidade da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro. Mulher, negra, lésbica, mãe e socialista.

Começou sua luta pelos direitos humanos quando entrou no cursinho pré-vestibular comunitário e perdeu uma amiga, vítima de bala perdida.

Ao lado de Marcelo Freixo, coordenou a atuação da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Foi eleita vereadora em 2016 com 46.052 votos, a 5ª mais votada. Presidiu a Comissão da Mulher da Câmara e propôs diversos projetos e iniciativas durante pouco mais de um ano de mandato.

Lutou contra a violência policial financiada pelo Estado e exigiu mais direitos para as mulheres, negros e favelados.

O PSOL, partido da vereadora, lançou uma plataforma para homenagear e relembrar suas conquistas. O site “Florescer por Marielle” reúne diversos materiais sobre a trajetória política de Marielle Franco.

Projetos aprovados

1. Espaço Coruja (PL 17/2017)
Institui o Espaço Coruja, programa de acolhimento às crianças no período da noite, enquanto seus responsáveis trabalham ou estudam. Permite que mães com dupla jornada continuem seus estudos ou permaneçam em seus empregos.

2. Assédio não é passageiro (PL 417/2017)
Cria a Campanha Permanente de Conscientização e Enfrentamento ao Assédio e Violência Sexual no município do Rio de Janeiro, nos equipamentos, espaços públicos e transportes coletivos.

3. Dossiê Mulher Carioca (PL 555/2017)
Cria o Dossiê Mulher Carioca, para auxiliar a formulação de políticas públicas voltadas para mulheres através da compilação de dados da Saúde, Assistência Social e Direitos Humanos do Município do Rio de Janeiro.

4. Efetivação das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto (PL 515/2017)
Prevê que o município se responsabilize por suas obrigações, garantindo que medidas socioeducativas sejam cumpridas pelos adolescentes em meio aberto, dando-lhes oportunidades de ingresso no mercado de trabalho.

5. Dia de Thereza de Benguela no Dia da Mulher Negra (PL 103/2017)
Inclui no calendário oficial da cidade o Dia de Thereza de Benguela como celebração adicional ao Dia da Mulher Negra, em homenagem à líder quilombola Thereza de Benguela, símbolo de força e resistência.