Agiotagem: governador de Roraima submeteu o próprio amigo a juros escorchantes em empréstimo de R$ 20 mil

Atualizado em 1 de fevereiro de 2023 às 20:02
O governador Antonio Denarium, ao lado de Jair Bolsonaro: seu currículo mais parece uma folha corrida (crédito: divulgação)

O governador de Roraima, Antonio Oliverio Garcia de Almeida (Progressistas), conhecido como Antonio Denarium, frequenta atualmente o noticiário nacional em virtude de sua defesa intransigente do garimpo ilegal que assola seu estado. No último dia 30, por exemplo, ao defender a atividade e os garimpeiros que ocupam e contaminam terras indígenas, afirmou que os yanomamis “parecem bichos”, e negou que exista um surto de desnutrição entre os indígenas.

As polêmicas atuais são só a ponta do iceberg de um currículo que mais se assemelha a uma folha corrida. O governador reeleito de Roraima (que é natural de Anápolis, Goiás) acumula uma vasta gama de malfeitos em sua carreira, entre eles:  agiotagem, abuso do poder econômico, propagação de fake news, caixa dois eleitoral e coação. Conheça, abaixo, os principais crimes e investigações que pesam contra o político bolsonarista.

Agiotagem e usura contra um amigo

Tramita no STJ (Supremo Tribunal de Justiça), desde setembro de 2021, um processo contra o governador por agiotagem – prática de lucrar com empréstimo de dinheiro de forma irregular. Conforme os autos da ação judicial, uma empresa que tem ele e sua esposa como sócios, a Denarium Empreendimentos Imobiliários, vem atuando de forma ilegal, como agência irregular de empréstimo bancário, fazendo agiotagem e cobrando juros acima do praticado pelos bancos. São citados mais de 100 processos de execução de títulos, incluindo processos de cobrança de dívidas de pessoas físicas.

O processo teve início quando o Ministério Público de Roraima recebeu uma notícia-crime sobre a prática, de autoria do empresário madeireiro Bruno Queiroz, que era amigo próximo do governador, até passar a sofrer cobranças de juros vultuosos por um empréstimo de R$ 20 mil que fez com Denarium.

Conforme se lê na ação, o amigo fez negócios com o próprio Antonio Denarium, que sabia de sua necessidade financeira, mas passou posteriormente a ser cobrado pela empresa Denarium Negócios Imobiliários. Leia trecho abaixo. Os destaques foram inseridos pela reportagem do DCM:

O empresário não realizou negócio jurídico com a empresa de Denarium. Na realidade, firmou contrato com seu, na época, amigo Antonio Oliverio Garcia de Almeida. As partes eram bem próximas e estando Antonio Oliverio ciente da necessidade do Embargante (Bruno Queiroz) em pegar emprestado R$ 20.000,00 (vinte mil reais), ofereceu em 03/01/2012 o valor cobrando um juro de 5% (cinco por cento)”.

O documento relata ainda que, no dia 14 de junho do mesmo ano, o então amigo realizou o pagamento de R$ 5 mil. Mas, em setembro de 2013, quando Queiroz e Antônio Denarium se encontraram, o governador cobrou o pagamento de R$ 47.972,00 referente à dívida que originalmente era de R$ 20.000,00.

O madeiro então revelou que, por falta de opção, teve que assinar uma promissória em branco:

Não havendo muita escolha o Embargante assinou nova promissória para o Sr. Antônio Oliveira, pessoa física, sendo que a promissória estava sem o preenchimento completo, estando em branco na parte onde consta o nome do Credor e o CPF (Denarium Empreendimentos Imobiliários). Apesar de assinada a Nota Promissória, as partes que participaram do negócio jurídico ficaram de renegociar os juros posteriormente, sendo que nunca foi concretizado.

Em 2019 o então amigo de Denarium afirmou que se surpreendeu com a cobrança do débito, e disse jamais ter assinado qualquer negócio com a empresa do governador. Para provar o que diz, o madeireiro anexou no processo a nota promissória reproduzida abaixo, onde os dados sobre a empresa aparecem anotados à mão, em anotação supostamente posterior à assinatura do documento.

A nota promissória que Antonio Denarium apresentou a seu amigo próximo: ele emprestou R$ 20 mil, recebeu R$ 5 mil de volta e estava cobrando mais R$ 47,9 mil (fonte: STF)

O promotor Andre Paulo dos Santos Pereira, do MP do estado, analisou a notícia-crime e viu indícios de irregularidades nos negócios financeiros de Denarium, conduta que teria ligação com sua função pública. O promotor, então, encaminhou o processo para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), já que o mandatário goza de foro especial por prerrogativa de função, e anotou (os destaques foram inseridos pela reportagem do DCM:

Mesmo após assumir o cargo de governador do estado, vem incorrendo na usura, inclusive subscrevendo procuração para o ajuizamento de ações judiciais e constando nas iniciais expressamente como ‘gerente’ (…) Isso vem sendo feito para ampliar a coação psicológica sobre o devedor, que se vê ainda menor quando seu algoz financeiro é o chefe do executivo e representante maior das forças de segurança do Estado.

No dia 21 de fevereiro de 2022, o então deputado estadual Jalser Renier (SD) chamou o governador de “agiotazinho safado”, em plena tribuna da Assembleia Legislativa de Roraima. E disse mais:

Eu lembro que em um passado recente estava aqui o agiota. Eu quero que algum deputado aqui me diga que o governador daqui não é agiota. ‘Não, Jalser, o governador é sério, ele nunca emprestou dinheiro com juro pra ninguém não.

Nenhum deputado respondeu.

 

Contratação da esposa e outros parentes para o 1º escalão

Simone Denarium e o marido, Antonio: ela não é a única parente que o governador de Roraima nomeou para o seu primeiro escalão (crédito: divulgação)

Em agosto de 2021, o governador nomeou sua esposa, Simone Denarium, como secretária estadual do Trabalho e Bem-Estar Social, cargo que ocupou por apenas um mês, em virtude da evidente ilegalidade da nomeação.

Mas ele não desistiu. Logo depois, a nomeou em um cargo secretarial sem remuneração, após a criação de uma pasta extraordinária (Secretaria de Estado de Promoção, Desenvolvimento e Inclusão Social), exclusivamente para ela.

No mesmo período, a irmã de Simone Denarium, Leila Perussolo, assumiu a Secretaria de Estado da Educação e Desporto. Do mesmo modo, Tânia Soares, também irmã da primeira-dama, assumiu a Secretaria de Estado do Trabalho e Bem-Estar Social assim que Simone deixou o cargo.

À época, as nomeações foram um escândalo no estado. O governo de Roraima foi obrigado a emitir uma nota sobre o assunto, onde afirmou:

A escolha dos dirigentes das secretarias seguiu critérios técnicos, assim como ocorre na escolha de todos os integrantes do primeiro escalão.

Finalmente, em julho de 2021, Denarium nomeou Ângela Maria Gomes de Almeida Lira como secretária adjunta da Representação Estadual no Distrito Federal, com salário de R$ 14 mil líquidos. Ela é esposa do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

Seis condenações judiciais e “fake news abomináveis”

No dia 28 de agosto de 2022, a Justiça Eleitoral condenou Antonio Denarium a pagar R$ 5 mil de multa por atacar a então candidata a governadora Teresa Surita (MDB) com fake news. A decisão foi do juiz Marcelo Lima de Oliveira.

Então candidato à reeleição, Denarium enviou vídeo através de seu WhatsApp pessoal em lista de transmissão. Na material, havia uma montagem agredia a honra e a imagem de sua principal adversária nas eleições.

No dia 25 de julho do memso ano, o magistrado já havia proibido o candidato de divulgar novamente o vídeo agressivo, em que o narrador convidada as pessoas a conhecerem “o lado mau de Teresa” e a chamava de “truculenta”, “perseguidora” e “rancorosa”.

O juiz entendeu que a mensagem feria a honra da mulher e gerou discurso de ódio contra a então candidata. Leia abaixo trecho da decisão:

Embora haja a necessidade de se assegurar a liberdade de expressão em momentos como esse, privilegiando a pluralidade e a riqueza inerentes ao debate democrático, não deve haver espaços para agressões infundadas e propagação de discursos de ódio e destruição da honra alheia.

Ao analisar a mídia juntada aos autos nota-se, claramente, que a mensagem divulgada apresenta nítidos elementos que induzem tratar-se conteúdo falso ou, no mínimo, deturpado, caracterizando as abomináveis “Fake News”, tais como tom efusivo e associação de mensagem de cunho político e de veracidade questionável à pré-candidata Teresa Surita.

Esta foi a sexta condenação de Denarium por irregularidades no ano eleitoral. Na primeira, por exemplo, a Justiça o condenou a pagar R$ 10 mil de multa por propaganda antecipada na rede social da Secretaria de Justiça e Cidadania. O perfil da Pasta divulgou pesquisa eleitoral irregular.

O Tribunal de Justiça de Roraima (TRE-RR) também multou o candidato em maio do ano passado ano por usar as escolas 13 de Setembro e Rittler Lucena para se promover politicamente nas redes sociais.

Assim, o juiz Marcelo Lima de Oliveira aplicou a multa em Unidade Fiscal de Referência (Ufir). O valor em real correspondente a cerca de R$ 5,3 mil.

Em outras duas ocasiões Denarium chegou a pegar multa máxima de R$ 30 mil por reincidência. É que a Justiça já havia o condenado pela mesma irregularidade e ele voltou a praticar.

Além disso, nas eleições de 2018, empresários bolsonaristas de Roraima praticaram campanha irregular em favor do então candidato, em um caso flagrante de abuso de poder econômico promovido pelos donos das principais redes varejistas do estado.

Os empresários, em ação orquestrada, lançaram uma série encartes de ofertas como os de qualquer supermercado do país, com descontos nos preços de feijão, arroz, farinha, fubá, leite e diversos outros itens de primeira necessidade. Mas havia um detalhe: todos os preços terminavam com o mesmo valor – 17 centavos, sempre grafados em tamanho maior que o normal.

A data não deixava dúvidas: as ofertas eram válidas até 27 de outubro de 2018, véspera do segundo turno das eleições. O 17 era o número do então candidato do então candidato a governador Antonio Denarium – à época, filiado ao PSL.

Graças a uma denúncia feita à Polícia Federal, uma investigação resultou em dois processos aceitos pela Justiça Eleitoral, que correram sob sigilo e não se sabe que fim tiveram.

O que sabe, isso sim, é que os próprios empresários admitiram posteriormente a prática ilegal. Um deles, José Saraiva de Araújo Júnior, dono da maior redes de supermercados de Roraima, confirmou a ilegalidade. Questionado, em interrogatório a que o DCM teve acesso, ele disse que “deu apoio de alguma forma à campanha de Denarium”: “Eu entrei na onda do 17, pela mudança, pelo presidente Bolsonaro. E, automaticamente, também, ao Antonio Denarium”.

Veja, abaixo, alguns dos folhetos que inundaram o estado de Roraima na véspera da eleição de 2018.

Crédito: reprodução
Crédito: reprodução

Já nas eleições do ano passado, o maior doador de campanha do governador foi o empresário Milton Steagall, um dos donos da Brasil Bio Fuels (BBF). Em novembro do ano passado, a empresa foi denunciada por indígenas do povo Tembé, do nordeste do Pará, após uma ação violenta com seguranças armados da BBF na Terra Indígenas de (TI) Turé-Mariquita. Steagall repassou R$ 150 mil para a campanha de Denarium, o segundo maior valor recebido pelo candidato. O primeiro veio da sigla dele, que repassou R$ 3 milhões.

Um autêntico cidadão de bem.