Ainda estamos na primeira fase da desinformação. Vêm aí as deep fake news. Por Zambarda

Atualizado em 20 de outubro de 2019 às 7:08
WhatsApp. Foto: Reprodução/YouTube

Felipe Moura Brasil, da Jovem Pan, publicou uma reportagem na revista Crusoé, do site Antagonista, em 11 de outubro desvendando a rede de milícias bolsonaristas que atuam a soldo do governo.

Chamados de “blogueiros de crachá”, Moura rastreia diálogos de WhatsApp youtubers e veículos como Terça Livre, comandado por Allan dos Santos.

A Folha de S.Paulo divulgou que as redes bolsonaristas fizeram disparos ilegais de conteúdos promovendo Bolsonaro e fake news bancados por empresas, incluindo a Havan, em contratos que chegaram a R$ 12 milhões. O Estado de S.Paulo mapeou a influência de perfis pró-Bolsonaro no Twitter.

Em março deste ano, o DCM divulgou algumas reportagens sobre os integrantes do podcast “Ninguém se importa”, que subiram um episódio confessando que criaram fake news relacionando Jean Wyllys com a facada que Bolsonaro sofreu na eleição.

A gravação tinha sido tirada do ar e foi recuperada.

No dia 8 de outubro de 2019, o WhatsApp admitiu pela primeira vez que a eleição de Bolsonaro teve uso de envios maciços de mensagens com sistemas automatizados contratados de companhia.

A crise envolvendo youtubers, sites bolsonaristas e tuiteiros chegou ao caos que tomou conta do PSL. Nesta semana, a legenda de Bolsonaro teve disputas em torno do controle do fundo partidário, que gira em torno de 300 milhões.

O que se sucedeu foi uma série de traições. Bolsonaro tentou impor o filho Eduardo na liderança do PSL na Câmara.

O presidente fracassou na tentativa de destituir o Delegado Waldir para colocar Eduardo Bolsonaro em seu cargo. Waldir disse, em uma gravação, que ‘implodiria’ Jair Bolsonaro e o governo com o que sabe.

Apesar do fracasso, Bolsonaro destituiu Joice Hasselmann da liderança do PSL no Congresso e disputa cargos com os deputados fiéis a Luciano Bivar, o presidente da legenda.

Os dois traídos, Waldir e Joice, falaram também sobre as milícias digitais bolsonaristas.

“Eles têm uma milícia virtual e todo mundo sabe disso. São pessoas interligadas em todo o Brasil, algumas recebendo para isso e outras não. Muitos robôs. Já sabia e não estou nem aí para isso”, disse Joice Hasselmann em entrevista ao jornalista Chico Alves do UOL.

“Existem grupos contratados que foram levados para dentro do Palácio do Planalto, existem pontos comandados do Rio de Janeiro. Eu mesmo estou sendo vítima dessas milícias”, confessou o Delegado Waldir ao Globo, sem citar nomes.

A CPMI das Fake News inicia na próxima terça-feira, 22 de outubro, as audiências públicas que vão embasar os trabalhos. Essa comissão vai receber o general de divisão Guido Amin Naves, comandante do Comando de Defesa Cibernética do Exército; Daniel Bramatti, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji); Walter Capanema, professor de Direito Eletrônico da Escola de magistratura do Rio de Janeiro; e Wilson Gomes, professor de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Todas essas denúncias envolvendo as milícias bolsonaristas nas redes sociais e na internet podem se tornar assunto da CPMI.

Para entender o que pode acontecer e os perigos envolvendo essas redes, o DCM conversou com especialistas em tecnologia sobre o tema.

O poder das grandes plataformas de redes sociais

Apesar do forte lobby de operadoras de telefonia contra sua aprovação, o Marco Civil da Internet foi sancionado pela ex-presidente Dilma Rousseff em abril de 2014.

O documento serve como uma espécie de “Constituição da Internet”, promovendo boas práticas e assegurando a aplicação das leis na rede.

Outro avanço importante, apesar da resistência das empresas públicas e privadas, foi o sancionamento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais em agosto de 2018. Trata-se de outro marco que protege o uso de informações sensíveis dos cidadãos por parte das instituições.

Mesmo com dois avanços importantes do ponto de vista jurídico, especialistas acreditam que a discussão precisa se aprofundada no que se refere às fake news.

Flávia Lefèvre Guimarães é advogada especializada em direito do consumidor, telecomunicações e direitos digitais. Ela também é integrante da Coalizão Direitos na Rede e representante do Terceiro Setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Flávia explicou que a desinformação na rede talvez precise de formas mais específicas de combate no ambiente jurídico.

“Tenho defendido que temos leis suficientes para enfrentar estas situações, ainda que seja desejável a criação de mecanismos institucionais mais específicos para esse enfrentamento”, explica a especialista.

Para Flávia Lefèvre, as instituições ainda não aplicam plenamente o Marco Civil da Internet e nem mesmo a Lei de Proteção de Dados Pessoais. Ela também ressalta que nem os crimes de opinião da Lei Eleitoral foram obedecidos na disputa. Isso acaba por favorecer uma visão na internet.

Flávia atribui responsabilidades para as grandes empresas responsáveis pelas redes sociais: “a campanha que a mídia tradicional dominante fez para mobilizar a sociedade brasileira em torno da Lava Jato, sob a alegação de acabar com a corrupção, mascarou outros interesses dos donos dessas empresas de natureza econômica e política”.

E ela dá nome para cada uma delas: “a luta de classes ganha outra dimensão na Internet, com a participação decisiva e perigosa das empresas americanas que dominam mundialmente a prestação de serviços na Internet, como Facebook, Google, Amazon, entre outras”.

Como representante do CGI.br, Flávia Lefèvre teve a oportunidade de questionar essas empresas antes mesmo da eleição de Bolsonaro. “Em junho de 2018, perguntamos ao Facebook e Google sobre suas práticas para as eleições tendo em vista a reforma eleitoral e seus mecanismos de moderação e impulsionamento de conteúdos. Mas não recebemos respostas”, explica.

Essas empresas, até o momento, só responderam no caso do Brexit e da eleição de Donald Trump. Na ocasião houve manipulação promovida pela consultoria Cambrigde Analytica e o Facebook.

Debate que foge da racionalidade

Representante da comunidade científica e tecnológica também do CGI.br, o sociólogo Sérgio Amadeu vai além das leis e das opiniões de jornalistas para enquadrar o problema humano que existe por trás dessas fake news.

“A imprensa, os jornalistas e os blogs que trabalham com opiniões distintas, mas no plano da realidade, de respeito aos fatos, precisam se articular. Mais do que fazer fact checking, é necessária uma ação conjunta que use todos os mecanismos possíveis para desmascarar e processar essas redes de fabricação de inverdades, ainda mais as que usam dinheiro público”, disse Amadeu ao DCM.

“Isso não pode continuar proliferando. A ideia da desinformação é o primeiro passo para que eles façam a destruição da comunicação, que é fundamental para a democracia. O que me assusta é que há grupos de esquerda caindo nesse jogo da extrema direita”, completa.

Para Sérgio Amadeu, ainda estamos num estágio inicial da desinformação. Dados são usados fora de contexto, mas ele enxerga uma piora da situação nos casos de vídeos adulterados no fenômeno que alguns especialistas já chamam de “deep fake news”.

“Já estão conseguindo inserir pessoas em imagens de locais onde elas nunca estiveram”, afirma o sociólogo.

Ele está pouco esperançoso com a CPMI das Fake News envolvendo as milícias bolsonaristas que deve começar neste mês. No entanto, vê uma evolução nas ferramentas jurídicas para combate de desinformação.

“Precisamos regular as grandes plataformas digitais”, diz o especialista, numa opinião similar a de Flávia Lefèvre e sugerindo transparência no impulsionamento pago das informações em redes sociais.

“Tudo isso exige uma legislação específica, que deve ser feita com todo cuidado”, finaliza Amadeu.