Frei Tito

 

Alberto Albernaz está nas manchetes brasileiras.

Ele apareceu no noticiário neste final de semana como protagonista dos detalhes das torturas sofridas pela presidenta Dilma em seus dias de combate à ditadura militar. Quem primeiro o trouxe aos holofotes foram os jornais Correio Braziliense e Estado de Minas. Ambos publicaram uma reconstituição — feita alguns anos atrás pela própria Dilma – dos castigos a que ela foi submetida por Albernaz, um dos chefes dos interrogatórios do Doi-Codi de São Paulo, uma sigla associada à caça cruel aos jovens que pegaram nas armas para resistir à ditadura.  Socos na boca, por exemplo. Um deles arrancou um dente de Dilma que apodrecera depois de uma surra dos inquisidores.

Me interesso pelo assunto e vou pesquisar.

A maior surpresa é que o onipresente Alberto Albernaz simplesmente não existe. Mas Benone de Arruda Albernaz, sim. Quer dizer: existiu. Morreu em 1993.

Não na mesma medida de agora, ele já fora notícia antes. Em 1984, o Globo publicou a notícia de que ele fora preso por estelionato. Segundo a reportagem, vestido de coronel da ativa – embora já fosse major reformado – , ele montara um escritório no qual “ludibriava investidores prometendo lucros altos com aplicações em imóveis”.  Um potencial cliente foi quem o denunciou à polícia, depois de receber uma oferta de pagar 700 000 cruzeiros por um terreno no litoral de São Paulo e, em três meses, desfazer o negócio. O cliente receberia então 2,5 milhões de cruzeiros.

A pequena notícia do Globo não passou despercebida por um militar que se opusera ao golpe de 1964 e conhecia bem Albernaz, Fernando de Santa Rosa. “Albernaz se notabilizou pela combinação irracional da pior das bestas feras com a covardia dos sádicos”, relembraria anos depois Santa Rosa.

Albernaz, segundo Santa Rosa, dizia que quando ia ao Doi-Codi deixava o coração em casa. “Como se tivesse algum”, notou Santa Rosa. (Cujo relato você pode ler aqui.)

Albernaz afirmava odiar padres. Isso ficaria monstruosamente claro no tratamento que ele dispensou a Frei Tito, um jovem domenicano que simpatizava com a resistência à ditadura militar. Tito foi interrogado por Albernaz. “Abra a boca para receber a hóstia sagrada”, disse ele. E então colocou na boca de Tito um fio elétrico que lhe arrebentou a boca. Tito se mataria na França, em 1974, jamais recuperado da tortura. Seu martírio está registrado no livro Batismo de Sangue, de Frei Betto. (Não bastasse Albernaz, Tito enfrentou a barbárie covarde e assassina do delegado Sérgio Fleury, como bem lembra o jornalista Vicente Alessi Filho, outro dos torturados pela ditadura militar.)

O coração de Albernaz parou de bater em 1993, se é que ele tinha um, para usar a expressão feliz de Santa Rosa.

 

Paulo Nogueira

O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

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